- 1. - Pode o Espiritismo ser considerado uma revelação?
- Neste caso, qual
o seu caráter?
- Em que se funda a sua autenticidade?
- A quem e de que maneira
foi ela feita?
- É a doutrina espírita uma revelação, no sentido teológico da
palavra, ou por outra, é, no seu todo, o produto do ensino oculto vindo do Alto?
- É absoluta ou suscetível de modificações?
- Trazendo aos homens a verdade
integral, a revelação não teria por efeito impedi-los de fazer uso das suas
faculdades, pois que lhes pouparia o trabalho da investigação?
- Qual a
autoridade do ensino dos Espíritos, se eles não são infalíveis e superiores à
Humanidade?
- Qual a utilidade da moral que pregam, se essa moral não é
diversa da do Cristo, já conhecida?
- Quais as verdades novas que eles nos
trazem?
- Precisará o homem de uma revelação?
- E não poderá achar em si
mesmo e em sua consciência tudo quanto é mister para se conduzir na vida?
Tais as questões sobre que importa nos fixemos.
- 2. - Definamos primeiro o sentido da palavra revelação.
- Revelar, do latim
revelare,
- cuja raiz, velum, véu, significa literalmente sair de sob o véu -
- e, figuradamente, descobrir, dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida.
- Em sua acepção vulgar mais genérica, essa palavra se emprega a respeito de
qualquer coisa ignota que é divulgada, de qualquer ideia nova que nos põe ao
corrente do que não sabíamos.
Deste ponto de vista, todas as ciências que aos fazem conhecer os
mistérios da Natureza são revelações e pode dizer-se que há para a
Humanidade uma revelação incessante.
- A Astronomia revelou o mundo astral,
que não conhecíamos;
- a Geologia revelou a formação da Terra;
- a Química, a lei
das afinidades;
- a Fisiologia, as funções do organismo, etc.;
- Copérnico, Galileu,
Newton, Laplace, Lavoisier foram reveladores.
- 3. - A característica essencial de qualquer revelação tem que ser a
verdade.
- Revelar um segredo é tornar conhecido um fato; se é falso, já não é
um fato e, por conseqüência, não existe revelação. Toda revelação desmentida
por fatos deixa de o ser, se for atribuída a Deus. Não podendo Deus mentir,
nem se enganar, ela não pode emanar dele: deve ser considerada produto de
uma concepção humana.
- 4. - Qual o papel do professor diante dos seus discípulos, senão o de um
revelador?
- O professor lhes ensina o que eles não sabem, o que não teriam
tempo, nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a Ciência é obra
coletiva dos séculos e de uma multidão de homens que trazem, cada qual, o seu
contingente de observações aproveitáveis àqueles que vêm depois. O ensino é,
portanto, na realidade, a revelação de certas verdades científicas ou morais,
físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que as
ignoram e que, se assim não fora, as teriam ignorado sempre.
- 5. - Mas, ...
- O professor não ensina senão o que aprendeu: é um revelador
de segunda ordem
- O homem de
gênio ensina o que descobriu por si mesmo: é o revelador primitivo; traz a luz
que pouco a pouco se vulgariza. Que seria da Humanidade sem a revelação dos
homens de gênio, que aparecem de tempos a tempos?
Mas, quem são esses homens de gênio? E, por que são homens de
gênio? Donde vieram? Que é feito deles? Notemos que na sua maioria
denotam, ao nascer, faculdades transcendentes e alguns conhecimentos inatos,
que com pouco trabalho desenvolvem. Pertencem realmente à Humanidade,
pois nascem, vivem e morrem como nós. Onde, porém, adquiriram esses
conhecimentos que não puderam aprender durante a vida? Dir-se-á, com os
materialistas, que o acaso lhes deu a matéria cerebral em maior quantidade e
de melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior
e mais saboroso do que outro.
Dir-se-á, como certos espiritualistas, que Deus lhes deu uma alma mais
favorecida que a do comum dos homens? Suposição igualmente ilógica, pois
que tacharia Deus de parcial. A única solução racional do problema está na
preexistência da alma e na pluralidade das vidas. O homem de gênio é um
Espírito que tem vivido mais tempo; que, por conseguinte, adquiriu e progrediu
mais do que aqueles que estão menos adiantados. Encarnando, traz o que sabe
e, como sabe muito mais do que os outros e não precisa aprender, é chamado
homem de gênio. Mas seu saber é fruto de um trabalho anterior e não resultado
de um privilégio. Antes de renascer, era ele, pois, Espírito adiantado: reencarna para fazer que os outros aproveitem do que já sabe, ou para adquirir mais do
que possui.
____Os homens progridem incontestavelmente por si mesmos e pelos
esforços da sua inteligência; mas, entregues às próprias forças, só muito
lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados por outros mais adiantados,
como o estudante o é pelos professores. Todos os povos tiveram homens de
gênio, surgidos em diversas épocas, para dar-lhes impulso e tirá-los da inércia.
- 6. - Desde que se admite a solicitude deDeus para com as suas
criaturas, ....
- por que não se há de admitir que Espíritos capazes, por sua energia e
superioridade de conhecimento, de fazerem que a Humanidade avance,
encarnem pela vontade de Deus, com o fim de ativarem o progresso em
determinado sentido?
- Por que não admitir que eles recebam missões, como um
embaixador as recebe do seu soberano?
- Tal o papel dos grandes gênios.
- Que
vêm eles fazer, senão ensinar aos homens verdades que estes ignoram e ainda
ignorariam durante largos períodos, a fim de lhes dar um ponto de apoio
mediante o qual possam elevar-se mais rapidamente?
- Esses gênios, que
aparecem através dos séculos como estrelas brilhantes, deixando longo traço
luminoso sobre a Humanidade, são missionários ou, se o quiserem, messias.
____O
que de novo ensinam aos homens, quer na ordem física, quer na ordem
filosófica, são revelações.
Se Deus suscita reveladores para as verdades
científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-los para as verdades morais,
que constituem elementos essenciais do progresso.
- Tais são os filósofos cujas
ideias atravessam os séculos.
- 7. - No sentido especial da fé religiosa, a revelação se diz mais
particularmente das coisas espirituais que o homem não pode descobrir por
meio da inteligência, nem com o auxílio dos sentidos e cujo conhecimento lhe
dão Deus ou seus mensageiros, quer por meio da palavra direta, quer pela
inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a homens predispostos,
designados sob o nome de profetas ou messias, isto é, enviados ou
missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada debaixo
deste ponto de vista, a revelação implica a passividade absoluta e é aceita sem
verificação, sem exame, nem discussão.
- 8. - Todas as religiões tiveram seus reveladores e estes, embora longe
estivessem de conhecer toda a verdade, tinham uma razão de ser providencial,
porque eram apropriados ao tempo e ao meio em que viviam, ao caráter particular dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente
superiores.
Apesar dos erros das suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos
e, por isso mesmo, de semear os germens do progresso, que mais tarde haviam
de desenvolver-se, ou se desenvolverão à luz brilhante do Cristianismo. É, pois, injusto se lhes lance anátema em nome da ortodoxia, porque dia
virá em que todas essas crenças tão diversas na forma, mas que repousam
realmente sobre um mesmo princípio fundamental - Deus e a imortalidade_da_alma, se fundirão numa grande e vasta unidade, logo que a razão triunfe dos
preconceitos.
Infelizmente, as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação; o
papel de profeta há tentado as ambições secundárias e tem-se visto surgir uma
multidão de pretensos reveladores ou messias, que, valendo-se do prestigio
deste nome, exploram a credulidade em proveito do seu orgulho, da sua
ganância, ou da sua indolência, achando mais cômodo viver à custa dos
iludidos. A religião cristã não pôde evitar esses parasitas.
- A tal propósito, chamamos particularmente a atenção para o capítulo XXI
de O Evangelho segundo o Espiritismo; "Levantar-se-ão falsos Cristos e
falsos profetas".
- 9. - Haverá revelações diretas de Deus aos homens?
- É uma questão que
não ousaríamos resolver, nem afirmativamente, nem negativamente, de maneira
absoluta. O fato não é radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova
certa. O que não padece dúvida é que os Espíritos mais próximos de Deus pela
perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos
reveladores encarnados, segundo a ordem hierárquica a que pertencem e o
grau a que chegaram de saber, esses podem tirar dos seus próprios
conhecimentos as instruções que ministram, ou recebê-las de Espíritos mais
elevados, mesmo dos mensageiros diretos de Deus, os quais, falando em nome
de Deus, têm sido às vezes tomados pelo próprio Deus.
- As comunicações deste gênero nada têm de estranho para quem
conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela qual se estabelecem as
relações entre os encarnados e os desencarnados. As instruções podem ser
transmitidas por diversos meios:
- pela simples inspiração,
- pela audição da
palavra,
- pela visibilidade dos Espíritos instrutores, nas visões e aparições, quer
em sonho, quer em estado de vigília, do que há muitos exemplos na Bíblia, no
Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos.
- É, pois, rigorosamente exato dizer-se que quase todos os reveladores
são médiuns inspirados, audientes ou videntes. Daí, entretanto, não se deve
concluir que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos,
intermediários diretos da divindade ou dos seus mensageiros.
- 10. - Só os Espíritos_puros recebem a palavra de Deus com a missão de
transmiti-la; mas, sabe-se hoje que nem todos os Espíritos são perfeitos e que
existem muitos que se apresentem sob falsas aparências, o que levou S. João a
dizer: «Não acrediteis em todos os Espíritos; vede antes se os Espíritos são de
Deus.» (Epíst. 1ª, cap. IV, v. 4.)
Pode, pois, haver revelações sérias e verdadeiras como as há apócrifas e
mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é o da eterna verdade. Toda
revelação eivada de erros ou sujeita a modificação não pode emanar de Deus. É assim que a lei_do_Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto
que as outras leis moisaicas, fundamentalmente transitórias, muitas vezes em
contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu.
Com o abrandarem-se os costumes do povo, essas leis por si mesmas caíram
em desuso, ao passo que o Decálogo ficou sempre de pé, como farol da
Humanidade. O Cristo fez dele a base do seu edifício, abolindo as outras leis.
Se estas fossem obra de Deus, seriam conservadas intactas. o Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores que mudaram a face ao mundo e nisso está
a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana careceria de tal
poder.
- 11. - Importante revelação se opera na época atual e mostra a
possibilidade de nos comunicarmos com os seres do mundo espiritual.
- Não é
novo, sem dúvida, esse conhecimento
- mas ficara até aos nossos dias, de certo
modo, como letra morta, isto é, sem proveito para a Humanidade.
- A ignorância
das leis que regem essas relações o abafara sob a superstição
- O homem era
incapaz de tirar daí qualquer dedução salutar
- estava reservado à nossa época
desembaraçá-lo dos acessórios ridículos, compreender-lhe o alcance e fazer
surgir a luz destinada a clarear o caminho do futuro.
- 12. - O Espiritismo, dando-nos a conhecer ...
- O mundo invisível que nos
cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim como as leis que
o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres
que o habitam e, por conseguinte,
- O destino do homem depois da morte,
é uma
verdadeira revelação, na acepção científica da palavra.
- 13. - Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter:
- participa
ao mesmo tempo da revelação divina
- e da revelação científica.
Participa da
primeira, porque foi providencial o seu aparecimento e não o resultado da
iniciativa, nem de um desígnio premeditado do homem; porque os pontos
fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos
encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de coisas que eles
ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes importa
conhecer, hoje que estão aptos a compreendê-las.
Participa da segunda, por
não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do
mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres
passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não
renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o
exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada
completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do
homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe
põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda,
comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações.
Numa
palavra, o que caracteriza arevelação espírita é o ser divina a sua origem e da
iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.
- 14. - Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da
mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos
novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele
os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei
que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis.
Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como
hipóteses a existência e a intervenção_dos_Espíritos, nem o perispírito, nem a
reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência
dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos
fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os
fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio
subseqüentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato
dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da
imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus
estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que
esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às
coisas metafísicas.
- 15. - citemos um exemplo. Passa-se no mundo dos Espíritos um fato
muito singular, de que seguramente ninguém houvera suspeitado:
- O de haver
Espíritos que se não consideram mortos. Pois bem, os Espíritos superiores, que
conhecem perfeitamente esse fato, não vieram dizer antecipadamente: «Há
Espíritos que julgam viver ainda a vida terrestre, que conservam seus gostos,
costumes e instintos.» Provocaram a manifestação de Espíritos desta categoria
para que os observássemos. Tendo-se visto Espíritos incertos quanto ao seu estado, ou afirmando ainda serem
deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações ordinárias, deduziu-se a
regra. A multiplicidade de fatos análogos demonstrou que o caso não era
excepcional, que constituía uma das fases da vida espírita; pode-se então
estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão, reconhecer que
tal situação é sobretudo própria de Espíritos pouco adiantados moralmente e
peculiar a certos gêneros de morte; que é temporária, podendo, todavia, durar
semanas, meses e anos. Foi assim que a teoria nasceu da observação. O
mesmo se deu com relação a todos os outros princípios da doutrina.
- 16. -
- Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo
das leis do princípio_material,
- O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento
das leis do principio_espiritual.
- Ora, como este último principio é uma das forças
da Natureza, a reagir incessantemente sobre o principio material e
reciprocamente, segue-se que
o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro.
____O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente;
- a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas
leis da matéria
- ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação.
____O
estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a
matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das
descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo.
- 17. - Todas as ciências se encadeiam e sucedem numa ordem racional;
nascem umas das outras, à proporção que acham ponto de apoio nas ideias e
conhecimentos anteriores.
- A Astronomia, uma das primeiras cultivadas,
conservou os erros da infância, até ao momento em que a Física veio revelar a
lei das forças dos agentes naturais
- a Química, nada podendo sem a Física,
teve de acompanhá-la de perto, para depois marcharem ambas de acordo,
amparando-se uma à outra.
- A Anatomia, a Fisiologia, a Zoologia, a Botânica, a Mineralogia, só se tornaram ciências
sérias com o auxílio das luzes que lhes trouxeram a Física e a Química.
- À
Geologia nascida ontem, sem a Astronomia, a Física, a Química e todas as
outras, teriam faltado elementos de vitalidade; ela só podia vir depois daquelas.
- 18. - A Ciência moderna abandonou os quatro elementos primitivos dos
antigos e, de observação em observação, ...
- chegou à concepção de um_só_elemento gerador de todas as transformações da matéria
- mas, a matéria, por si
só, é inerte; carecendo de vida, de pensamento, de sentimento, precisa estar
unida ao principio espiritual.
____O Espiritismo não descobriu, nem inventou este
princípio; mas, foi o primeiro a demonstrar-lhe, por provas inconcussas, a
existência; estudou-o, analisou-o e tornou-lhe evidente a ação. Ao elemento
material, juntou ele o elemento espiritual. Elemento material e elemento
espiritual, esses os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza. Pela união
indissolúvel deles, facilmente se explica uma multidão de fatos até então
inexplicáveis. (1)
____O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos
constitutivos do Universo, toca forçosamente na maior parte das ciências; só
podia, portanto, vir depois da elaboração delas; nasceu pela força mesma das
coisas, pela impossibilidade de tudo se explicar com o auxílio apenas das leis da
matéria.
- (1) A palavra elemento não é empregada aqui no sentido de corpo simples, elementar,
de moléculas primitivas, mas no de parte constitutiva do um todo. Neste sentido, pode dizer-se
que o elemento espiritual tem parte ativa na economia do Universo, como se diz que o
elemento civil e o elemento militar figuram no cálculo de uma população; que o elemento
religioso entra na educação; ou que na Argélia existem o elemento árabe e o elemento
europeu.
- 19. -
- Acusam-no de parentesco com a magia e a feitiçaria
- porém,
esquecem que a Astronomia tem por irmã mais velha ã Astrologia judiciária,
ainda não muito
distante de nós
- que a Química é filha da Alquimia, com a qual nenhum homem
sensato ousaria hoje ocupar-se.
Ninguém nega, entretanto, que na Astrologia e
na Alquimia estivesse o gérmen das verdades de que saíram as ciências atuais.
Apesar das suas ridículas fórmulas, a Alquimia encaminhou a descoberta dos
corpos simples e da lei das afinidades. A Astrologia se apoiava na posição e no
movimento dos astros, que ela estudara; mas, na ignorância das verdadeiras
leis que regem o mecanismo do Universo, os astros eram, para o vulgo, seres
misteriosos, aos quais a superstição atribuía uma influência moral e um sentido
revelador. Quando Galileu, Newton e Kepler tornaram conhecidas essas leis,
quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou nas profundezas do espaço um
olhar que algumas criaturas acharam indiscreto, os planetas apareceram como
simples mundos semelhantes ao nosso e todo o castelo de maravilhoso
desmoronou.
____O mesmo se dá com o Espiritismo, relativamente à magia e à feitiçaria,
que se apoiavam também na manifestação dos Espíritos, como a Astrologia no
movimento dos astros; mas, ignorantes das leis que regem o mundo espiritual,
misturavam, com essas relações, práticas e crenças ridículas, com as quais o
moderno Espiritismo, fruto da experiência e da observação, acabou.
Certamente, a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é
maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a
Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina.
- 20. - O simples fato de poder o homem comunicar-se com os seres do
mundo espiritual traz conseqüências incalculáveis da mais alta gravidade; é todo
um mundo novo que se nos revela e que tem tanto mais importância, quanto a
ele hão de voltar todos os homens, sem exceção.
O conhecimento de tal fato não pode deixar de acarretar, generalizando-se,
profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos, assim como nas
crenças que tão grande influencia exerceu sobre as relações sociais.
É uma revolução completa a operar-se nas ideias, revolução tanto maior, tanto
mais poderosa, quanto não se circunscreve a um povo, nem a uma casta, visto
que atinge simultaneamente, pelo coração, todas as classes, todas as
nacionalidades, todos os cultos.
Razão há, pois, para que o Espiritismo seja considerado a terceira das
grandes revelações. Vejamos em que essas revelações diferem e qual o laço
que as liga entre si.
- 21. - Moisés, como profeta, revelou aos homens a existência de um Deus_único, Soberano Senhor e Orientador de todas as coisas; promulgou a lei_do_Sinai e lançou as bases da verdadeira fé. Como homem, foi o legislador do povo
pelo qual essa primitiva fé, purificando-se, havia de espalhar-se por sobre a
Terra.
- 22. - O Cristo, tomando da antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando
o que era transitório, puramente disciplinar e de concepção humana,
acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não falara, assim como a
das penas e recompensas que aguardam o homem, depois_da_morte.
(Vede:
Revue Spirite, 1861, página 90 e página 280.)
- 23. - A parte mais importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte
primária, de pedra angular de toda a sua doutrina é o ponto de vista
inteiramente novo sob que considera ele adivindade.
- Esta já não é o Deus terrível, ciumento, vingativo, de Moisés
- O Deus cruel e implacável, que rega a
terra com o sangue humano, que ordena o massacre e o extermínio dos povos,
sem excetuar as mulheres, as crianças e os velhos, e que castiga aqueles que
poupam as vítimas
- já não é o Deus injusto, que pune um povo inteiro pela falta
do seu chefe, que se vinga do culpado na pessoa do inocente, que fere os filhos
pelas faltas dos pais
- mas, um Deus clemente, soberanamente justo e bom,
cheio de mansidão e misericórdia, que perdoa ao pecador arrependido e dá a
cada um segundo as suas obras.
- Já não é o Deus de um único
povo privilegiado, o Deus dos exércitos, presidindo aos combates para
sustentar a sua própria causa contra o Deus dos outros povos
- mas, o Pai
comum do gênero humano, que estende a sua proteção por sobre todos os
seus filhos e os chama todos a si
- já não é o Deus que recompensa e pune só
pelos bens da Terra, que faz consistir a glória e a felicidade na escravidão dos
povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas, sim, um Deus que diz aos
homens: «A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino celestial,
lá onde os humildes de coração serão elevados e os orgulhosos serão
humilhados.»
- Já não é o Deus que faz da vingança uma virtudee ordena se
retribua olho por olho, dente por dente
- mas, o Deus de misericórdia, que diz: «Perdoai as ofensas, se quereis ser perdoados; fazei o bem em troca do mal;
não façais o que não quereis vos façam.»
- Já não é o Deus mesquinho e
meticuloso, que impõe, sob as mais rigorosas penas, o modo como quer ser
adorado, que se ofende pela inobservância de uma fórmula
- mas, o Deus
grande, que vê o pensamento e que se não honra com a forma.
- Enfim, já não é
o Deus que quer ser temido, mas o Deus que quer ser amado.
- 24. - Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas e o objetivo de
todos os cultos, o caráter de todas as religiões é conforme à ideia que elas das
de Deus. As religiões que fazem de Deus um ser vingativo e cruel julgam honrálo
com atos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial
e cioso são intolerantes e mais ou menos meticulosas na forma, por crerem-no
mais ou menos contaminado das fraquezas e ninharias humanas.
- 25. - Toda a doutrina do Cristo se funda no caráter que ele atribui à
divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e
misericordioso, ele fez do amor de Deus e da caridade_para_com_o_próximo a
condição indeclinável da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre todas as coisas
e o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão toda a lei e os profetas; não
existe
outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio da igualdade dos homens
perante Deus e o da fraternidade universal. Mas, fora possível amar o Deus de
Moisés? Não; só se podia temê-lo.
A revelação dos verdadeiros atributos da divindade, de par com a da
imortalidade_da_alma e da vida_futura, modificava profundamente as relações
mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia-os encarar a vida
presente sob outro aspecto e tinha, por isso mesmo, de reagir contra os
costumes e as relações sociais. É esse incontestavelmente, por suas
conseqüências, o ponto capital da revelação do Cristo, cuja importância não foi
compreendida suficientemente e, contrista dizê-lo, é também o ponto de que
mais a Humanidade se tem afastado, que mais há desconhecido na
interpretação dos seus ensinos.
- 26. - Entretanto, o Cristo acrescenta: «Muitas das coisas que vos digo
ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer, que não
compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde, porém,
enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as
coisas e vo-las explicará todas.» (S. João, caps. XIV, XVI; S. Mat., cap. XVII.) - (Ver também item 44)
Se o Cristo não disse tudo quanto poderia dizer, é que julgou conveniente
deixar certas verdades na sombra, até que os homens chegassem ao estado de
compreendê-las. Como ele próprio o confessou, seu ensino era incompleto, pois
anunciava a vinda daquele que o completaria; previra, pois, que suas palavras
não seriam bem interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino;
em suma, que desfariam o que ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser
restabelecidas: ora, só se restabelece aquilo que foi desfeito.
- 27. - Por que chama ele Consolador ao novo messias?
- Este nome,
significativo e sem ambigüidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele previa
que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica
a insuficiência daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez
nunca o Cristo fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às
quais poucas pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram
esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido profético.
- 28. - Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino de maneira
completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam
adquirir com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas
que teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então.
Completar o seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver,
não no de ajuntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado
de gérmen, faltando-lhe só a chave para se apreender o sentido das palavras.
- 29. - Mas, ...
- quem toma a liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas?
- Quem tem esse direito?
- Quem possui as necessárias luzes, senão os teólogos?
- Quem o ousa?
- Primeiro, a Ciência, que a ninguém pede permissão para dar a
conhecer as leis da Natureza e que salta sobre os erros e os preconceitos.
- Quem tem esse direito?
- Neste século de emancipação intelectual e de liberdade
de consciência, o direito de exame pertence a todos e as Escrituras não são
mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar com a ponta do dedo,
sem correr o risco de ser fulminado.
- Quanto às luzes especiais, necessárias,
sem contestar as dos teólogos, por mais esclarecidos que fossem os da Idade
Média, e, em particular, os Pais da Igreja, eles, contudo, não o eram bastante
paranão condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas.
- Mesmo sem ir tão longe, os teólogos dos nossos dias não lançaram
anátema à teoria dos períodos de formação da Terra?
____Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do que
sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da
Natureza, mais tarde
reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos, de muito boa-fé, se
enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do Evangelho. Querendo
a todo custo encontrar nele a confirmação de uma ideia preconcebida, giraram
sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de vista, de modo que
só viam o que queriam ver. Por muito instruídos que fossem, eles não podiam
compreender causas dependentes de leis que lhes eram desconhecidas.
Mas, quem julgará das interpretações diversas e muitas vezes
contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e o bom-senso. Os
homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e novas leis se
forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas utópicos.
- Ora, as
ciências tornam conhecidas algumas leis
- O Espiritismo revela outras
- todas são
indispensáveis à inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde
Confúcio e Buda até o Cristianismo.
- Quanto à teologia, essa não poderá
judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem
sempre está de acordo consigo mesma.
- 30. -O Espiritismo, partindo das próprias palavras do Cristo , como este
partiu das de Moisés, é conseqüência direta da sua doutrina.
- A ideia vaga da
vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos
rodeía e povoa o espaço, e com isso precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma
consistência, uma realidade à ideia.
- Define os laços que unem a alma ao corpo
e levanta o véu que ocultava aos homens os mistérios do nascimento e da
morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe donde vem, para onde vai, por que está
na Terra, por que sofre temporariamente e vê por toda parte a justiça de Deus.
- Sabe que a alma progride incessantemente, através de uma série de existências
sucessivas, até atingir o grau de perfeição que a aproxima de Deus.
- Sabe que
todas as almas, tendo um mesmo ponto de origem, são criadas iguais, com
idêntica aptidão para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio
- que todas são da
mesma essência
e que não há entre elas diferença, senão quanto ao progresso realizado
- que
todas têm o mesmo destino e alcançarão a mesma meta, mais ou menos
rapidamente, pelo trabalho e boa-vontade.
- Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas do
que outras
- que Deus a nenhuma criou privilegiada e dispensada do trabalho
imposto às outras para progredirem
- que não há seres perpetuamente votados
ao mal e ao sofrimento
- que os que se designam pelo nome de demônios são
Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no espaço, como o
praticavam na Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão
- que os anjos ou
Espíritos_puros não são seres à parte na criação, mas Espíritos que chegaram à
meta, depois de terem percorrido a estrada do progresso; que, por essa forma,
não há criações múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres inteligentes,
mas que toda a criação deriva da grande lei de unidade que rege o Universo e
que todos os seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem que
uns sejam favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas
próprias obras.
- 31. - Pelas relações que hoje pode estabelecer com aqueles que
deixaram a Terra, ...
- possui o homem não só a prova material da existência e da
individualidade da alma, como também compreende a solidariedade que liga os
vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos dos outros planetas.
- Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos, acompanha-os em suas
migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas
- sabe a razão por que são
felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o mal
que fizerem.
____Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode
observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é
uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então,
a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da
verdadeira vida.
- 32. - Pelo estudo da situação dos Espíritos, ...
- O homem sabe que a
felicidade e a desdita, na vida espiritual, são inerentes ao grau de perfeição e de
imperfeição
- que cada qual sofre as conseqüências diretas e naturais de suas
faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou
- que essas conseqüências
duram tanto quanto a causa que as produziu
- que, por conseguinte, o culpado
sofreria eternamente, se persistisse no mal, mas que o sofrimento cessa com o
arrependimento e a reparação
- Ora, como depende de cada um o seu
aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio, prolongar ou
abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus excessos, enquanto
não lhes põe termo.
- 33. - Se a razão repele, como incompatível com a bondade de Deus , ...
- a
ideia das penas_irremissíveis,_perpétuas_e_absolutas, muitas vezes infligidas por
uma única falta
- a dos suplícios do inferno, que não podem ser minorados nem
sequer pelo arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma razão se
inclina diante dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo em conta, que
nunca fecha a porta ao arrependimento e estende constantemente a mão ao
náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.
- 34. - A pluralidade_das_existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no
Evangelho, sem todavia defini-lo como a muitos outros, é uma das mais
importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade
e a necessidade para o progresso.
- Com esta lei, o homem explica todas as
aparentes anomalias da vida humana
- as diferenças de posição social
- as
mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as
existências breves
- a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela
ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz,
nascendo, o que adquiriu em suas existências anteriores.
- 35. -
- Com a doutrina da criação da alma no instante do nascimento, ...
- voltamos
a cair no sistema das criações privilegiadas
- Os homens são estranhos uns aos outros, nada os liga, os
laços de família são puramente carnais
- não são de nenhum modo solidários
com um passado em que não existiam
- com a doutrina do nada após a morte,
todas as relações cessam com a vida
- Os seres humanos não são solidários no
futuro.
- Pela reencarnação, ...
- são solidários no passado e no futuro e, como as
suas relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corporal, a
fraternidade tem por base as próprias leis da Natureza
- O bem tem um objetivo e
o mal conseqüências inevitáveis.
- 36. -
- Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de
castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou
proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher.
- De todos
os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra
a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao
fato material da reencarnação.
- Se, pois, a reencarnação funda numa lei da
Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei_da_igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade.
- 37. -
- Tirai ao homem o Espírito livre e independente, sobrevivente à
matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem finalidade, nem
responsabilidade;
- sem outro freio além da lei civil e própria a ser explorada
como um animal inteligente.
- Nada esperando depois da morte, nada obsta a
que aumente os gozos do presente
- se sofre, só tem a perspectiva do
desespero e o nada como refúgio.
- Com a certeza do futuro, com a de encontrar
de novo aqueles a quem amou e com o temor de tornar a ver aqueles a quem
ofendeu, todas as suas ideias mudam.
- O Espiritismo, ainda que só fizesse forrar
o homem à dúvida relativamente à vida_futura, teria feito mais pelo seu
aperfeiçoamento_moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm algumas
vezes, mas que o não transformam.
- 38. -
- Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não
seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens
responsáveis pela falta de um só, seria também um contra-senso, e tanto
menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a
que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte.
- Com a
preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos
defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e
pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original,
cujas conseqüências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que
sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com a outra
diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente
eqüitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela
reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer
adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado,
não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida
espiritual, eterna e bem-aventurada. (Ver: Pecado e pecado original também em: Paraiso)
Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao renascer,
qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz ideias inatas;
identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer,
sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más tendências vive
ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer. Existe, pois, a
virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício
original.
- 39. - O Espiritismo experimental ...
- estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria.
- Demonstrou a existência do
perispírito, suspeitado desde a antigüidade e designado por S. Paulo sob o
nome de corpo_espiritual, isto é, corpo fluídico da alma, depois da destruição do
corpo_tangível. Sabe-se hoje que esse invólucro é inseparável da alma, forma
um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da transmissão do pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito
e a matéria. o perispírito representa importantíssimo papel no organismo e
numa multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.
- 40. - O estudo das propriedades_do_perispírito, dos fluidos espirituais e
dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes à Ciência e dá a chave
de uma multidão de fenômenos incompreendidos até então, por falta de
conhecimento da lei que os rege - fenômenos negados pelo materialismo, por
se prenderem à espiritualidade, e qualificados como milagres ou sortilégios por
outras crenças. Tais são, entre muitos, ...
- Os fenômenos da vista dupla,
- da visão a
distância,
- do sonambulismo natural e artificial,
- dos efeitos psíquicos da
catalepsia e da letargia,
- da presciência,
- dos pressentimentos,
- das aparições,
- das transfigurações,
- da transmissão do pensamento,
- da fascinação,
- das curas instantâneas,
- das obsessões e
- possessões, etc.
Demonstrando que esses
fenômenos repousam em leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que
condições normais se podem reproduzir, o Espiritismo derroca o império do
maravilhoso e do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte da maior parte das
superstições. Se faz se creia na possibilidade de certas coisas consideradas por
alguns como quiméricas, também impede que se creia em muitas outras, das
quais ele demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.
- 41. - O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, ...
- vem, ao
contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que
revela, tudo quanto o Cristo disse e fez
- elucida os pontos obscuros do ensino_cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do
Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem
dificuldade, com o auxílio desta doutrina; vêem melhor o seu alcance e podem
distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é
simplesmente um filósofo, é um Messias divino.
- 42. - Demais, se se considerar o poder moralizador do Espiritismo, pela
finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar quase tangíveis as
conseqüências do_bem_e_do_mal, pela força moral, a coragem e as consolações
que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro, pela ideia de ter
cada um perto de si os seres a quem amou, a certeza de os rever, a
possibilidade de confabular com eles; enfim, pela certeza de que tudo quanto se
fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até à última hora
da vida, não fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito,
reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito
do Consolador_anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao
grande movimento_da_regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa
forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. (2)
- _________
(2) Muitos pais deploram a morte_prematura dos filhos, para cuja educação fizeram
grandes sacrifícios, e dizem consigo mesmos que tudo foi em pura perda. À luz do Espiritismo,
porém, não lamentam esses sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de
que veriam morrer seus filhos, porque sabem que se estes não a aproveitam na vida presente,
essa educação servira, primeiro que tudo, para o seu adiantamento espiritual; e, mais, que serão
aquisições novas para outra existência e que, quando voltarem a este mundo, terão um
patrimônio intelectual que os tornara mais aptos a adquirirem novos conhecimentos.
Tais essas crianças que trazem, ao nascer, ideias inatas que sabem, por assim dizer,
sem precisarem aprender.
Se os pais não têm a satisfação imediata de ver os filhos aproveitarem da educação que
lhes deram, gozá-la-ão certamente mais tarde, quer como espíritos, quer como homens. Talvez
sejam eles de novo os pais desses mesmos filhos, que se apontam como afortunadamente
dotados pela natureza e que devem as suas aptidões a uma educação precedente; assim
também, se os filhos se desviam para o mal, pela negligência dos pais, estes podem vir a sofrer
mais tarde desgostos e pesares que àqueles suscitarão em nova existência. (O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap. V, nº 21; "Mortes prematuras".)
- 43. - Se a estes resultados adicionarmos a rapidez prodigiosa da
propagação do Espiritismo, apesar de tudo quanto fazem por abatê-lo, não se
poderá negar que a sua vinda seja providencial, visto como ele triunfa de todas
as forças e de toda a má-vontade dos homens. A facilidade com que é aceito
por grande número de pessoas, sem constrangimento, apenas pelo poder da
ideia, prova que ele corresponde a uma necessidade, qual a de crer o homem
em alguma coisa para encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto,
veio no momento preciso.
- 44. - São em grande número os aflitos; ...
- não é, pois, de admirar que tanta
gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que desesperam,
porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o Espiritismo se dirige.
- O doente vê chegar o médico com maior satisfação do que aquele que
está bem de saúde
- Ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o médico.
Vós que combateis o Espiritismo, se quereis que o abandonemos para
vos seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior segurança as
feridas da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao coração,
esperanças mais legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro mais
racional, mais sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do nada,
com a alternativa das chamas do inferno, ou com a inútil contemplação
perpétua.
- 45. -
- A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés,
- a
segunda no Cristo,
- a terceira não a tem em indivíduo algum.
As duas primeiras
foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter essencial de grande
importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou dada como privilégio a
pessoa alguma; ninguém, por consequência, pode inculcar-se como seu profeta
exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a milhões de
pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a mais alta da
escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos
dos Apóstolos:
- "Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu espírito
sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os mancebos terão
visões, e os velhos, sonhos." (Atos, cap. II, vv. 17, 18.) Ela não proveio de
nenhum culto especial, a fim de servir um dia, a todos, de ponto de ligação. (3)
- __________
(3) O nosso papel pessoal, no grande movimento de ideias que se prepara pelo
Espiritismo e que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para
lhes descobrir a causa e tirar-lhes as conseqüências. Confrontamos todos os que nos têm sido
possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os
pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e
demos ao público o fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor
maior do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos
considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas ideias a quem quer que
seja. Publicando-as, usamos de um direito comum e aqueles que as aceitaram o fizeram
livremente. Se essas ideias acharam numerosas simpatias, é porque tiveram a vantagem de
corresponder às aspirações de avultado número de criaturas, mas disso não colhemos vaidade
alguma, dado que a sua origem não nos pertence. O nosso maior mérito é a perseverança e a
dedicação à causa que abraçamos. Em tudo isso, fizemos o que outro qualquer poderia ter feito
como nós, razão pela qual nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias,
nem, ainda menos, de nos apresentarmos como tal.
- 46. -
- As duas primeiras revelações, sendo fruto do ensino pessoal,
ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só ponto, em torno
do qual a ideia se propagou pouco a pouco; mas, foram precisos muitos séculos
para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem
inteiramente.
- A_terceira tem isto de particular: não estando personificada em um
só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se
tornaram centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus
raios se reúnem pouco a pouco, como os círculos formados por uma multidão
de pedras lançadas na água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por
cobrir toda a superfície do globo.
____Essa uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se ela tivesse
surgido num só ponto, se fosse obra exclusiva de um homem, houvera formado
seitas em torno dela; e talvez decorresse meio século sem que ela atingisse os
limites do país onde começara, ao passo que, após dez anos, já estende raízes
de um pólo a outro.
- 47. - Esta circunstância, inaudita na história das doutrinas, lhe dá força
excepcional e irresistível poder de ação; de fato, se a perseguirem num ponto,
em determinado pais, será materialmente impossível que a persigam em toda
parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde lhe embaracem
a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a ferirem num
indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte donde ela promana.
Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre, se, por um
acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo, ela reapareceria
pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na Natureza e não
se podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem persuadir
aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revue Spirite, fev.
1865, página 38: «Perpetuidade do Espiritismo».)
- 48. - Entretanto, disseminados os centros, poderiam ainda permanecer
por muito tempo isolados uns dos outros, confinados como estão alguns em
países longínquos. Faltava entre eles uma ligação, que os pusesse em
comunhão de ideias com seus irmãos em crença, informando-os do que se fazia
algures. Esse traço de união, que na antigüidade teria faltado ao Espiritismo,
hoje existe nas publicações que vão a toda parte, condensando, sob uma forma única, concisa e metódica, o ensino dado universalmente sob formas múltiplas e
nas diversas línguas. (4)
- __________
(4) Nota da Editora: Assim compreendendo, a Federação Espírita Brasileira passou a
publicar obras espíritas na língua internacional - o Esperanto.
- 49. - As duas primeiras revelações só podiam resultar de um ensino
direto; como os homens não estivessem ainda bastante adiantados a fim de
concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que ser impostas pela fé, sob a
autoridade da palavra do Mestre.
____Contudo, notam-se entre as duas bem sensível diferença, devida ao
progresso dos costumes e das ideias, se bem que feitas ao mesmo povo e no
mesmo meio, mas com dezoito séculos de intervalo.
- A doutrina de Moisés é
absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela força.
- A de
Jesus é essencialmente conselheira; é livremente aceita e só se impõe pela
persuasão; foi controvertida desde o tempo do seu fundador, que não
desdenhava de discutir com os seus adversários.
- 50. - A_terceira_revelação, vinda numa época de emancipação e
madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a
representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas, mas quer
ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa - tinha ela
que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da
pesquisa e do livre exame. Os Espíritos não ensinam senão justamente o que é
mister para guiá-lo no caminho da verdade, mas abstêm-se de revelar o que o
homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir,
verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes,
que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais;
cabe-lhe a ele aproveitá-los e pô-los em obra.
- 51 - Tendo sido os elementos da revelação espírita ministrados
simultaneamente em muitos pontos, a homens de todas as condições sociais e
de diversos graus de instrução, é claro que as observações não podiam ser
feitas em toda parte com o mesmo resultado; que as conseqüências a tirar, a
dedução das leis que regem esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão
sobre que haviam de firmar-se as ideias não podiam sair senão do
conjunto e da correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito dentro
de um círculo restrito, não vendo as mais das vezes senão uma ordem particular
de fatos, não raro contraditórios na aparência, geralmente provindo de uma
mesma categoria de Espíritos e, ao demais, embaraçados por influências locais
e pelo espírito de partido, se achava na impossibilidade material de abranger o
conjunto e, por isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um
princípio comum. Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus
conhecimentos e crenças anteriores, ou da opinião especial dos Espíritos que
se manifestassem, bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas, quantos
fossem os centros, todos incompletos por falta de elementos de comparação e
exame. Numa palavra, cada qual se teria imobilizado na sua revelação parcial,
julgando possuir toda a verdade, ignorando que em cem outros lugares se
obtinha mais ou melhor.
- 52. - Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi
dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, a
assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas
especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as
condições necessárias. Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os
Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e
observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um
mesmo objeto é repartida por diversos operários.
A_revelação fez-se assim parcialmente em diversos lugares e por uma
multidão de intermediários e é dessa maneira que prossegue ainda, pois que
nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento
do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que
constituíram a Doutrina Espírita.
____Era, pois, necessário ...
- grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender
a correlação, reunir os documentos
diversos, as instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre
todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as
diferenças.
- Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou
menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão
permitia conceder-lhes, distinguir as ideias sistemáticas individuais ou isoladas
das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das ideias
práticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência
positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas
pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do
estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo.
- Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, independente de
qualquer ideia preconcebida, de todo prejuízo de seita, resolvido a aceitar a
verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões pessoais. Este centro
se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem desígnio premeditado. (4)
- __________
(4) O_Livro_dos_Espíritos, a primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de
um ponto de vista filosófico, pela dedução das conseqüências morais dos fatos; que considerou
todas as partes da doutrina, tocando nas questões mais importantes que ela suscita, foi, desde o
seu aparecimento, o ponto
para onde convergiram espontaneamente os trabalhos individuais. É notório que da
publicação desse livro data a era do Espiritismo filosófico, até então conservado no domínio das
experiências curiosas. Se esse livro conquistou as simpatias da maioria é que exprimia os
sentimentos dela, correspondia às suas aspirações e encerrava também a confirmação e a
explicação racional do que cada um obtinha em particular. Se estivesse em desacordo com o
ensino geral dos Espíritos, teria caído no descrédito e no esquecimento. Ora, qual foi aquele
ponto de convergência? Decerto não foi o homem, que nada vale por si mesmo, que morre e
desaparece; mas, a ideia, que não fenece quando emana de uma fonte superior ao homem.
Essa espontânea concentração de forças dispersas deu lugar a uma amplíssima
correspondência, monumento único no mundo, quadro vivo da verdadeira história do Espiritismo
moderno, onde se refletem ao mesmo tempo os trabalhos parciais, os sentimentos múltiplos que
a doutrina fez nascer, os resultados morais, as dedicações, os desfalecimentos; arquivos
preciosos para a posteridade, que poderá julgar os homens e as coisas através de documentos
autênticos. Em presença desses testemunhos inexpugnáveis, a que se reduzirão, com o tempo,
todas as falsas alegações da inveja_e_do_ciúme?...
- 53. - De todas essas coisas, originou-se dupla corrente de ideias: umas,
dirigindo-se das extremidades para o centro; as outras encaminhando-se do
centro para a circunferência. Desse modo, a doutrina caminhou rapidamente
para a unidade, mau grado à diversidade das fontes donde promanou; os
sistemas divergentes ruíram pouco a pouco, devido ao isolamento em que
ficaram, diante do ascendente da opinião da maioria, em a qual não
encontraram repercussão simpática. Desde então, uma comunhão de ideias se
estabeleceu entre os diversos centros parciais. Falando a mesma linguagem
espiritual, eles se entendem e estimam, de um extremo a outro do mundo.
Sentiram-se assim mais fortes os espíritas, lutaram com mais coragem,
caminharam com passo mais firme, desde que não mais se viram insulados,
desde que perceberam um ponto de apoio, um laço a prendê-los à grande
família. Não mais lhes pareceram singulares, anormais, nem contraditórios os
fenômenos que presenciavam, desde que puderam conjugá-los a leis gerais e
descobrir um fim grandioso e humanitário em todo o conjunto. (5)
Mas, como se há de saber se um princípio é ensinado por toda parte, ou
se apenas exprime uma opinião pessoal? Não estando os grupos
independentes em condições de saber o que se diz alhures, necessário se fazia que um centro reunisse
todas as instruções, para proceder a uma espécie de apuro das vozes e
transmitir a todos a opinião da maioria. (6)
- ____________
(5) Significativo testemunho, tão notável quão tocante, dessa comunhão de ideias que se
estabeleceu entre os espíritas, pela conformidade de suas crenças, são os pedidos de preces
que nos chegam dos mais distantes países, desde o Peru até as extremidades da Ásia, feitos por
pessoas de religiões e nacionalidades diversas e as quais nunca vimos. Não é isso um prelúdio
da grande unificação que se prepara? Não é a prova de que por toda parte o Espiritismo lança
raízes fortes?
Digno de nota é que, de todos os grupos que se têm formado com a intenção
premeditada de abrir cisão, proclamando princípios divergentes, do mesmo modo que de todos
quantos, apoiando-se em razões de amor-próprio ou outras quaisquer, para não parecer que se
submetem à lei comum, se consideraram fortes bastante para caminhar sozinhos, possuidores
de luzes suficientes para prescindirem de conselhos, nenhum chegou a construir uma ideia que
fosse preponderante e viável. Todos se extinguiram ou vegetaram na sombra. Nem de outro
modo poderia ser, dado que, para se exalçarem, em vez de se esforçarem por proporcionar
maior soma de satisfações, rejeitavam princípios da doutrina, precisamente o que de mais
atraente há nela, o que de mais consolador ela contém e de mais racional. Se houvessem
compreendido a força dos elementos morais que lhe constituíram a unidade, não se teriam
embalado com ilusões quiméricas. Ao contrário, tomando como se fosse o Universo o pequeno
circulo que constituíam, não viram nos adeptos mais do que uma camarilha facilmente derrubável
por outra camarilha. Era equivocar-se de modo singular, no tocante aos caracteres essenciais da
doutrina e semelhante erro só decepções podia acarretar. Em lugar de romperem a unidade,
quebraram o único laço que lhes podia dar força e vida. (Veja-se: Revue Spirite, abril de 1866,
págs. 106 e 111: "O Espiritismo sem os Espíritos: o Espiritismo independente".)
(6) Esse o objeto das nossas publicações, que se podem considerar o resultado de um
trabalho de apuro. Nelas, todas as opiniões são discutidas, mas as questões somente são
apresentadas em forma de princípios, depois de haverem recebido a consagração de todas as
comprovações, as quais, só elas, lhes podem imprimir força de lei e permitir afirmações. Eis por
que não preconizamos levianamente nenhuma teoria e é nisso exatamente que a doutrina,
decorrendo do ensino geral, não representa produto de um sistema preconcebido. É também
donde tira a sua força e o que lhe garante o futuro.
- 54. - Nenhuma ciência existe que haja saído prontinha do cérebro de um
homem. Todas, sem exceção de nenhuma, são fruto de observações
sucessivas, apoiadas em observações precedentes, como em um ponto
conhecido, para chegar ao desconhecido. Foi assim que os Espíritos
procederam, com relação ao Espiritismo. Daí o ser gradativo o ensino que
ministram. Eles não enfrentam as questões, senão à medida que os princípios
sobre
que hajam de apoiar-se estejam suficientemente elaborados e amadurecida
bastante a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que, de todas as
vezes que os centros particulares têm querido tratar de questões prematuras,
não obtiveram mais do que respostas contraditórias, nada concludentes.
Quando, ao contrário, chega o momento oportuno, o ensino se generaliza e se
unifica na quase universalidade dos centros.
Há, todavia, capital diferença entre a marcha do Espiritismo e a das
ciências; a de que estas não atingiram o ponto que alcançaram, senão após
longos intervalos, ao passo que alguns anos bastaram ao Espiritismo, quando
não a galgar o ponto culminante, pelo menos a recolher uma soma de
observações bem grande para formar uma doutrina. Decorre esse fato de ser
inumerável a multidão de Espíritos que, por vontade de Deus, se manifestaram
simultaneamente, trazendo cada um o contingente de seus conhecimentos.
Resultou dai que todas as partes da doutrina, em vez de serem elaboradas
sucessivamente durante longos anos, o foram quase ao mesmo tempo, em
alguns anos apenas, e que bastou reuni-las para que estruturassem um todo.
Quis Deus fosse assim, primeiro, para que o edifício mais rapidamente
chegasse ao ápice; em seguida, para que se pudesse, por meio da
comparação, conseguir uma verificação, a bem dizer imediata e permanente, da
universalidade do ensino, nenhuma de suas partes tendo valor, nem autoridade,
a não ser pela sua conexão com o conjunto, devendo todos harmonizar-se,
colocado cada um no devido lugar e vindo cada um na hora oportuna.
Não confiando a um único Espírito o encargo de promulgar a doutrina,
quis Deus, também, que, assim o mais pequenino, como o maior, tanto entre os
Espíritos, quanto entre os homens, trouxesse sua pedra para o edifício, a fim de
estabelecer entre eles um laço de solidariedade cooperativa, que faltou a todas
as doutrinas decorrentes de um tronco único.
Por outro lado, dispondo todo Espírito, como todo homem, apenas de
limitada soma de conhecimentos, não estavam eles aptos, individualmente, a
tratar ex-professo das inúmeras questões que o Espiritismo envolve. Essa ainda
uma razão por que, em cumprimento dos desígnios do Criador, não podia a
doutrina ser obra nem de um só Espírito, nem de um só médium. Tinha que
emergir da coletividade dos trabalhos, comprovados uns pelos outros. (7)
__________
(7) Veja-se, em O Evangelho segundo o Espiritismo, "Introdução", item II, e Revue
Spirite, de abril de 1864, página 99: "Autoridade da Doutrina Espírita; comprovação universal do
ensino dos Espíritos".
- 55. -Um último caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições
mesmas em que ela se produz, é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não
pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de
observação.
Pela sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das
leis da Natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às
leis de Deus, autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe
de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens
edificaram sobre as falsas ideias que formaram de Deus.
____O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que
se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da
observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá
o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas
progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o
estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele
se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim
providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será
ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro
acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a
aceitará. (8)
- __________
(8) Diante de declarações tão nítidas e tão categóricas quais as que se contêm neste
capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à autocracia dos
princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas pessoas prevenidas ou mal
informadas emprestam à doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações; temo-las repetido
muitíssimas vezes nos nossos escritos, para que nenhuma duvida persista a tal respeito. Elas, ao
demais, assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero
trabalhador.
- 56. -
- Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, uma vez que não
difere da do Cristo?
- Precisa o homem de uma revelação?
- Não pode achar em si
próprio tudo o que lhe é necessário para conduzir-se?
Do ponto de vista moral, é fora de dúvida que Deus outorgou ao homem
um guia, dando-lhe a consciência, que lhe diz: «Não faças a outrem o que não
quererias te fizessem.» A moral natural está positivamente inscrita no coração
dos homens; porém, sabem todos lê-la nesse livro? Nunca lhe desprezaram os
sábios preceitos? Que fizeram da moral do Cristo? Como a praticam mesmo
aqueles que a ensinam? Reprovareis que um pai repita a seus filhos dez vezes,
cem vezes as mesmas instruções, desde que eles não as sigam? Por que
haveria Deus de fazer menos do que um pai de família? Por que não enviaria,
de tempos a tempos, mensageiros especiais aos homens, para lhes lembrar os
deveres e reconduzi-los ao bom caminho, quando deste se afastam; para abrir
os olhos da inteligência aos que os trazem fechados, assim como os homens
mais adiantados enviam missionários aos selvagens e aos bárbaros?
A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há
outra melhor. Mas, então, de que serve o ensino deles, se apenas repisam o
que já sabemos? Outro tanto se poderia dizer da moral do Cristo, que já
Sócrates e Platão ensinaram quinhentos anos antes e em termos quase
idênticos. O mesmo se poderia
dizer também das de todos os moralistas, que nada mais fazem do que repetir a
mesma coisa em todos os tons e sob todas as formas. Pois bem! os Espíritos
vêm, muito simplesmente, aumentar o número dos moralistas, com a diferença
de que, manifestando-se por toda parte, tanto se fazem ouvir na choupana,
como no palácio, assim pelos ignorantes, como pelos instruídos.
____O que o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o
conhecimento dos princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos,
princípios que completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu
passado e de seu futuro, dando por sanção à doutrina_cristã as próprias leis da
Natureza. Com o auxílio das novas luzes que o Espiritismo e os Espíritos
espargem,
o homem se reconhece solidário com todos os seres e compreende essa
solidariedade; a caridade e a fraternidade se tornam uma necessidade social;
ele faz por convicção o que fazia unicamente por dever, e o faz melhor.
Somente quando praticarem a moral do Cristo, poderão os homens dizer
que não mais precisam de moralistas encarnados ou desencarnados. Mas,
também, Deus, então, já não lhos enviará.
- 57. - Uma das questões mais importantes, entre as propostas no começo
deste capítulo, é a seguinte: Que autoridade tem a revelação espírita, uma vez
que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis?
A objeção seria ponderosa, se essa revelação consistisse apenas no
ensino dos Espíritos, se deles exclusivamente a devêssemos receber e
houvéssemos de aceitá-la de olhos fechados. Perde, porém, todo valor, desde
que o homem concorra para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério;
desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele
pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações, nas suas
inumeráveis modalidades, são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a
lei, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal
modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido
usual do termo. Ele lhes submete os dizeres ao cadinho da lógica e do bomsenso:
desta maneira se beneficia dos conhecimentos especiais de que os
Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar o uso da própria
razão.
Sendo os Espíritos unicamente as almas dos homens, comunicando-nos
com eles não saímos fora da Humanidade, circunstância capital a considerar-se.
Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade, vieram do mundo dos
Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Dado que os Espíritos podem
comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções
sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruirnos,
depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas, são
invisíveis, em vez de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem ser
menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra
deles, como homens, tinha autoridade, não na pode ter menos, somente por
estarem no mundo dos Espíritos.
- 58. - Mas, nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no
igualmente os de todas as categorias e preciso era que assim acontecesse,
para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual,
apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a
conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e
para onde iremos. Esse o objeto essencial das manifestações. Todos os
Espíritos, pois, qualquer que seja o grau_de_elevação_em_que_se_encontrem,
alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou
menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos digam e
tirar, do ensino que nos dêem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer que
sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles
nunca saberíamos.
- 59. - Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita,
individualidades poderosas, mas de ação restrita e de lenta propagação.
- Viesse
um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, Sócrates ou Platão, revelar,
nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo_espiritual, quem
provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de cepticismo?
- Não o
tomariam por sonhador ou utopista?
Mesmo que fosse verdade absoluta o que
dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem
as ideias. Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse; quis que o
ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim de que
aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso
ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se
propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte,
constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencerse
a si próprio.
- 60. - Os_Espíritos_não_se_manifestam_para_libertar_do_estudo_e_das_pesquisas_o_homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma
ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam
entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os
espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos
Espíritos todo o saber e toda a sabedoria e supor-se que baste a quem quer que
seja dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as
coisas. Saídos_da_Humanidade, eles constituem uma de suas faces. Assim
como na Terra, no plano_invisível também os há superiores_e_vulgares; muitos,
pois, que, científica e filosoficamente, sabem menos do que certos homens; eles
dizem o que sabem, nem mais, nem menos. Do mesmo modo que os homens,
os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção de coisas,
dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem
conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências
sobrenaturais; é tratar com seus
iguais, com aqueles mesmos a quem ele se dirigiria neste mundo; a seus
parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais esclarecidos do que ele. Disto é
que importa se convençam todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado
o Espiritismo, fazem ideia completamente falsa da natureza do mundo dos
Espíritos e das relações com o além-túmulo.
- 61. - Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem,
dessa_revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não
nos dizem tudo o que sabem?
- Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstém de nos dar o que
podemos adquirir pelo trabalho
- em segundo lugar, há coisas cuja revelação não
lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta.
- Afora
isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o círculo
das percepções:
- eles vêem o que não viam na Terra
- libertos dos entraves da
matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um
ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são
- a perspicácia de que gozam
abrange mais vasto horizonte
- compreendem seus erros, retificam suas ideias e
se desembaraçam dos prejuízos humanos.
É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação à
humanidade corpórea e dai vem a possibilidade de serem seus conselhos,
segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e
desinteressados do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes
permite, ao demais, iniciar-nos nas coisas, que ignoramos, relativas à vida futura
e que não podemos aprender no meio em que estamos. Até ao presente, o
homem apenas formulara hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas
crenças a esse respeito se fracionaram em tão numerosos e divergentes
sistemas, desde o nadismo até as concepções fantásticas do inferno e do
paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo
que nos vêm dizer em que
se tornaram e só eles o podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente,
serviram para dar-nos a conhecer o mundo_invisível que nos rodeia e do qual
nem suspeitávamos e só esse conhecimento seria de capital importância, dado
mesmo que nada mais pudessem os Espíritos ensinar-nos.
- Se fordes a um país que ainda não conheçais, recusareis as informações
que vos dê o mais humilde campônio que encontrardes?
- Deixareis de interrogá-lo
sobre o estado dos caminhos, simplesmente por ser ele um camponês?
____Certamente não esperareis obter, por seu intermédio, esclarecimentos de
grande alcance, mas, de acordo com o que ele é na sua esfera, poderá, sobre
alguns pontos, informar-vos melhor do que um sábio, que não conheça o pais.
Tirareis das suas indicações deduções que ele próprio não tiraria, sem que por
isso deixe de ser um instrumento útil às vossas observações, embora apenas
servisse para vos iSnformar acerca dos costumes dos camponeses. Outro tanto
se dá no que concerne às nossas relações com os Espíritos, entre os quais o
menos qualificado pode servir para nos ensinar alguma coisa.
- 62. - Uma comparação vulgar tornará ainda melhor compreensível a
situação.
Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes. Leva
homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a
saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma noticia
chega sobre a sua sorte. Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o
luto penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a equipagem inteira, sem
faltar um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde
todos passam a viver ditosos, sob um céu clemente. Ninguém, todavia, sabe
disso. Ora, um belo dia, outro navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e
salvos os náufragos. A feliz nova se espalha com a rapidez do relâmpago.
Exclamam todos: «Não estão perdidos os nossos amigos!» E rendem graças a
Deus. Não
podem ver-se uns aos outros, mas correspondem-se; permutam demonstrações
de afeto e, assim, a alegria substitui a tristeza.
Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes e depois
da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz a boanova
da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos
reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O
desanimo se desfaz diante da esperança.
Mas, outros resultados fecundam essa revelação. Achando madura a
Humanidade para penetrar o mistério do seu destino e contemplar, a sanguefrio,
novas maravilhas, permitiu Deus fosse erguido o véu que ocultava o mundo
invisível ao mundo visível. Nada têm de extra-humanas as manifestações; é a
humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizerlhe:
«Nós existimos, logo o nada não existe; eis o que somos e o que sereis;
o futuro vos pertence, como a nós. Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o
caminho e traçar-vos o roteiro; andais ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A
vida terrena era, para vós, tudo, porque nada víeis além dela; vimos dizer-vos,
mostrando a vida espiritual: a vida terrestre nada é. A vossa visão se detinha no
túmulo, nós vos desvendamos, para lá deste, um esplêndido horizonte. Não
sabíeis por que sofreis na Terra; agora, no sofrimento, vedes a justiça de Deus.
O bem nenhum fruto aparente produzia para o futuro. Doravante, ele terá uma
finalidade e constituirá uma necessidade; a fraternidade, que não passava de
bela teoria, assenta agora numa lei da Natureza. Sob o domínio da crença de
que tudo acaba com a vida, a imensidade é o vazio, o egoísmo reina soberano
entre vós e a vossa palavra de ordem é: Cada um por si. Com a certeza do
porvir, os espaços infinitos se povoam ao infinito, em parte alguma há o vazio e
a solidão; a solidariedade liga todos os seres, aquém e além_da_tumba. É o
reino da caridade, sob a divisa: Um por
todos e todos por um. Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que vos
são caros; agora, dir-lhes-eis: Até breve!»
Tais, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio encher o
vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela dúvida ou
pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de ser.
Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm
resolver os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos
os meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura
dizem respeito os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará na
Terra, pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente
operar no seu caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte,
nos hábitos e nas relações sociais. Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e
da incredulidade, elas preparam o do bem, que é o reino de Deus, anunciado
pelo Cristo. (9)
- __________
(9) A anteposição do artigo à palavra Cristo (do grego Cristos, ungido), empregada em
sentido absoluto, é mais correta, atento que essa palavra não é o nome do Messias de Nazaré,
mas uma qualidade tomada substantivamente.
- Dir-se-á, pois: Jesus era Cristo; era o Cristo; era
o Cristo anunciado; a morte do Cristo e não de Cristo,
- ao passo que se diz: a morte de Jesus
e não do Jesus.
____Em Jesus-Cristo, as duas palavras reunidas formam um só nome próprio. É
pela mesma razão que se diz: o Buda; Gautama conquistou a dignidade de Buda por suas
virtudes e austeridades.
- Diz-se: a vida do Buda,
- do mesmo modo que: o exército do Faraó e não
de Faraó Henrique IV era rei; o titulo de rei; a morte do rei e não de rei.
[38 - Capítulo I] - Allan Kardec - [37 - página 261] - Allan Kardec - Setembro/1867 |