Transfiguração[do latim transfiguratione]
- 1. transformação,
metamorfose, mudança radical na aparência, no caráter e na forma.
- 2. Fenômeno em que o médium sofre
mudança de fisionomia e de expressão por
envolvimento fluídico do Espírito manifestante.
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____Este
fenômeno consiste na mudança do aspecto de um corpo vivo. Aqui está um fato dessa natureza cuja perfeita
autenticidade podemos garantir, ocorrido durante os anos de 1858 e 1859, nos arredores de
Saint-Etienne.
____Uma mocinha, de mais ou menos quinze anos, gozava da singular faculdade de
se transfigurar, isto é, de tomar, em dados momentos, todas as aparências
de certas pessoas mortas. Tão completa era a ilusão, que os que assistiam ao
fenômeno julgavam ter diante de si a própria pessoa, cuja aparência ela tomava, tal a
semelhança dos traços fisionômicos, do olhar, do som da voz e, até, da maneira particular de
falar. Esse fenômeno se repetiu centenas de vezes sem que a vontade da mocinha ali
interferisse. Tomou, em várias ocasiões, a aparência de seu irmão, que morrera alguns
anos antes. Reproduzia-lhe não somente o semblante, mas também o porte e a
corpulência. Um médico do lugar, testemunha que fora, muitas vezes, desses estranhos
efeitos, querendo certificar-se de que não havia naquilo ilusionismo, fez a experiência que
vamos relatar.
____Conhecemos os fatos, pelo que nos referiram ele próprio, o pai da moça e
diversas outras testemunhas oculares, muito honradas e dignas de crédito. Veio a esse
médico a ideia de pesar a moça no seu estado normal e de fazer-lhe o mesmo no de transfiguração, quando apresentava a aparência do irmão, que contava, ao
morrer, vinte e tantos anos, e era mais alto do que ela e de compleição mais forte. Pois
bem! verificou que, no segundo estado, o peso da moça era quase duplo do seu peso normal.
Concludente se mostra a experiência, tornando impossível atribuir-se aquela
aparência a uma simples ilusão de ótica.
____Tentemos explicar esse fato, que noutro tempo teria sido qualificado de
milagre e a que hoje chamamos muito simplesmente fenômeno.
[17b - página 159 item 122] |
____Quanto ao fenômeno em si, não afirmamos
nem a sua possibilidade, nem a sua impossibilidade. Dado, entretanto, que ocorra, a
circunstância de se lhe não oferecer uma solução satisfatória de nenhum modo o
infirmaria. Importa se não esqueça que nos achamos nos primórdios da ciência e que ela está
longe de haver dito a última palavra sobre esse ponto, como sobre muitos outros. Aliás, as
partes excedentes poderiam ser perfeitamente tornadas invisíveis.
[17b - página 161 item 124]
____A transfiguração, em certos casos, pode originar-se de uma simples
contração muscular, capaz de dar à fisionomia expressão muito diferente
da habitual, ao ponto de tornar quase irreconhecível a pessoa. Temo-lo observado
freqüentemente com alguns sonâmbulos; mas, nesse caso, a transformação não é radical. Uma
mulher poderá parecer jovem ou velha, bela ou feia, mas será sempre uma mulher e,
sobretudo, seu peso não aumentará, nem diminuirá. No fenômeno com que nos ocupamos, há mais alguma coisa. A
teoria do perispírito nos vai esclarecer.
____Está, em princípio, admitido que o Espírito pode dar ao seu perispírito
todas as aparências; que, mediante uma modificação na disposição molecular, pode
dar-lhe a visibilidade, a tangibilidade e, conseguintemente, a
opacidade; que o
perispírito de uma pessoa viva, isolado do corpo, é passível das mesmas transformações; que
essa mudança de estado se opera pela combinação dos fluidos. Figuremos agora o
perispírito de uma pessoa viva, não isolado, mas irradiando-se em volta do corpo, de maneira a
envolvê-lo numa espécie de vapor. Nesse estado, passível se torna das mesmas
modificações de que o seria, se o corpo estivesse separado. Perdendo ele a sua transparência, o
corpo pode desaparecer, tornar-se invisível, ficar velado, como se mergulhado numa bruma. Poderá
então o perispírito mudar de aspecto, fazer-se brilhante, se tal for a
vontade do Espírito e se este dispuser de poder para tanto.
____Um outro Espírito, combinando seus
fluidos com os do primeiro, poderá, a essa combinação de fluidos, imprimir a
aparência que lhe é própria, de tal sorte, que o corpo real desapareça sob o envoltório
fluídico exterior, cuja aparência pode variar à vontade do Espírito. Esta parece ser a verdadeira
causa do estranho fenômeno e raro, cumpra se diga, da transfiguração.
____Quanto à diferença de peso, explica-se da mesma maneira por que se explica
com relação aos corpos inertes. O peso intrínseco do corpo não variou,
pois que não aumentou nele a quantidade de matéria. Sofreu, porém, a influência de um
agente exterior, que lhe pode aumentar ou diminuir o peso relativo. Provável é, portanto, que, se a transformação
se produzir, tomando a pessoa o aspecto de uma criança, o peso diminua proporcionalmente.
[17b - página 160 item 123] |
____Extraímos
o fato seguinte de uma carta que nos escreveu, no mês de setembro de 1857, um
de nossos correspondentes de St-Etienne. Depois de ter falado de diversas
comunicações, das quais foi testemunha, acrescentou:
____"Um
fato mais espantoso se passa numa família de nossos vizinhos. Das mesas_girantes passou-se à poltrona que fala; depois amarrou-se um lápis nessa
poltrona e essa poltrona indicou a psicografia; foi praticada por muito tempo,
antes como brinquedo do que como coisa séria. Então a escrita designou uma das
filhas da casa, ordenou passar as mãos sobre sua cabeça depois de tê-la feito
deitar; ela dormiu logo, e depois de um certo número de experiências, essa
jovem se transfigurou: tomou os traços, a voz, os gestos de ascendentes mortos,
de avós que jamais conheceram, de um irmão falecido há alguns meses; essas transfigurações eram feitas sucessivamente em uma mesma sessão. Ela falava um
dialeto que não era mais o da época, disse-me, porque não conhecia nem um nem
o outro; mas o que posso afirmar, é que em uma sessão onde tomara a aparência
de seu irmão, vigoroso gaiato, essa jovem de treze anos deu-me um rude aperto
de mão.
____"Há
dezoito meses, ou dois anos, esse fenômeno é constantemente repetido do mesmo
modo, somente hoje produziu-se espontânea e naturalmente, sem imposição das mãos."
____Esse
estranho fenômeno, se bem que bastante raro, não é excepcional; já se falou
de vários fatos semelhantes, e nós mesmos, várias vezes, fomos testemunha de
alguma coisa análoga entre os sonâmbulos em estado de êxtase, e mesmo entre
os extáticos que não estavam em sonambulismo. É certo, além do mais, que emoções
violentas operam, sobre a fisionomia, uma mudança que lhe dá um caráter
diferente daquele do estado normal. Não vemos, igualmente, pessoas cujos traços
móveis se prestam, segundo sua vontade, a modificações que lhes permitem
tomar as aparências de outras certas pessoas? Vê-se, pois, por aí, que a
rigidez da face não é tal que não possa sujeitar-se a modificações
passageiras, mais ou menos profundas, e nada há de espantoso em que um fato
semelhante possa produzir-se, no caso em que se trata, embora, talvez, por um
causa independente da vontade.
____Eis
as respostas que obtivemos de São Luís a esse respeito, na sessão da
Sociedade, de 25 de fevereiro último.
- 1.
O fato de transfiguração, do qual acabamos de falar, é real? -R. Sim.
- 2.
Nesse fenômeno, há um efeito material? - R. O fenômeno de transfiguração pode ocorrer de modo material, a tal ponto que, nas diversas fases que
apresenta, poder-se-ia reproduzi-lo em daguerreotipia.
- 3.
Como esse efeito se produziu? - R. A transfiguração, como a entendeis, não é
senão uma modificação da aparência, uma mudança, uma alteração nos traços
que pode ser produzida pela ação do próprio Espírito sobre seu envoltório,
ou por uma influência exterior. O corpo nunca muda, mas, em conseqüência de
uma contração nervosa, ele submete-se a aparências diversas.
- 4.
Pode ocorrer que os espectadores sejam enganados por uma falsa aparência? - R.
Pode ocorrer também que o perispírito desempenhe o papel que conheceis. No
fato citado, ocorreu contração nervosa, e a imaginação aumentou-a muito; de
resto, esse fenômeno é bastante raro.
- 5.
O papel do perispírito seria análogo ao que se passa no fenômeno de bicorporeidade? - R. Sim.
- 6.
É preciso, então, que, no caso de transfiguração, haja
desaparição do
corpo real, para os espectadores que não vêem mais que o perispírito sob uma
forma diferente? - R. Desaparição, não física, mas oclusão. Entendei-vos
sobre as palavras.
- 7.
Parece resultar disso que acabais de dizer que, no fenômeno de transfiguração,
pode haver dois efeitos:
- 1º Alteração dos traços do corpo real, em
conseqüência de uma contração, nervosa.
- 2° Aparência variável do
perispírito que se torna visível. É assim que devemos entender? - R.
Certamente.
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- 8.
Qual é a causa primeira desse fenômeno? - R. A vontade do Espírito.
- 9.
Todos os Espíritos podem produzi-lo? - R. Não: os Espíritos não podem sempre
fazer o que querem.
- 10.
Como explicar a força anormal dessa jovem transfigurada na pessoa de seu irmão?
- R. O Espírito não possui uma grande força? De resto, é a do corpo em seu
estado normal. Nota.Esse fato nada tem de surpreendente; freqüentemente, vêem-se as pessoas
mais fracas dotadas momentaneamente de uma força muscular prodigiosa, por uma
causa superexcitante.
- 11.
Uma vez que, no fenômeno de transfiguração, o olhar do observador pode ver
uma imagem diferente da realidade, ocorre o mesmo em certas manifestações_físicas?
Quando por exemplo uma mesa se eleva sem o contato das mãos, e que é vista
acima do solo, é verdadeiramente a mesa que se destacou? - R. Podeis perguntá-lo?
- 12.
O que é que a ergue? - R. A força do Espírito. Nota.Esse fenômeno já foi explicado por São Luís, e tratamos essa questão,
de modo completo, nos números de maio e junho de 1858, a propósito da teoria
das manifestações físicas. Foi-nos dito que, nesse caso, a mesa, ou o objeto
qualquer que se mova, se anima de uma vida factícia, momentânea, que lhe
permite obedecer à vontade do Espírito.
____Se
uma contração muscular pode modificar os traços do rosto, isso não pode ser
senão em um certo limite; mas, seguramente, se uma jovem toma a aparência de
um velho, nenhum efeito psicológico far-lhe-á produzir a barba; é preciso,
pois, procurar-lhe a causa em outro lugar. Querendo-se reportar-se ao que
dissemos precedentemente, sobre o papel do perispírito em todos os fatos de
aparições, mesmo de pessoas vivas, compreender-se-á que lá está ainda a
chave do fenômeno de transfiguração. Com efeito, uma vez que o perispírito
pode se isolar do corpo, que pode tornar-se visível, que pela sua extrema
sutilidade pode tomar diversas aparências à vontade do Espírito, conceber-se-á,
sem dificuldade, que ele esteja assim numa pessoa transfigurada: o corpo fica o
mesmo, só o perispírito muda de aspecto. Mas, então, dir-se-á, em que se
torna o corpo? De um lado o corpo real e de outro o perispírito transfigurado?
Fatos estranhos, dos quais iremos falar oportunamente, provam que, em conseqüência
da fascinação que se opera nessa circunstância no observador, o corpo real
pode estar, de alguma sorte, velado pelo perispírito.
____O
fenômeno objeto desse artigo nos foi transmitido já há muito tempo, e se não
falamos dele ainda, foi porque não nos propusemos fazer de nossa Revista um
simples catálogo de fatos próprios para alimentar a curiosidade, uma árida
compilação sem apreciação e sem comentário; nossa tarefa seria muito fácil,
e a tomamos mais a sério; dirigimo-nos, antes de tudo, aos homens de raciocínio,
àqueles que, como nós, querem se render conta das coisas, tanto quanto isso
seja possível. Ora, a experiência nos ensinou que os fatos, por estranhos e
multiplicados que sejam, não são elementos de convicção; e o são tanto
menos quanto sejam estranhos; quanto mais um fato é extraordinário, tanto mais
parece anormal, menos se está disposto a crer nele; quer-se ver, e quando se
viu, duvida-se ainda; desconfia-se de ilusões e conivências. Não ocorre assim
quando se acha, nos fatos, uma razão de ser por uma causa plausível. Vemos
todos os dias pessoas que rejeitaram outrora os fenômenos espíritas, à conta
da imaginação e de uma cega credulidade, e que hoje são adeptos fervorosos,
precisamente porque esses fenômenos não têm agora nada que repugne à sua razão;
elas se os explicam, compreendem-lhes a possibilidade, e crêem neles mesmo
sem terem visto. Antes de falarmos de certos fatos, temos, pois, que esperar
que os princípios fundamentais estejam suficientemente desenvolvidos, para
deles render-se conta; o da transfiguração está entre esse número. O Espiritismo é para nós mais que uma crença: é uma ciência, e estamos
felizes em ver que os nossos leitores nos compreenderam.
Revista
Espírita - Março de 1859 |