As consciências
que dormitam, após a morte, quais múmias espirituais, a mente estacionária na deserção
da Lei, durante o repouso habitual em que se imobiliza, além do túmulo, sofre
angustiosos pesadelos, despertando quase sempre em plena alienação, que pode
persistir por muito tempo, cultivando apaixonadamente as impressões em que
julga encontrar a própria felicidade.
[28a - página 236]
Espírito, que se manifestou logo após a morte. Isso ocorreu por haver ele ficado perto do local onde se deu a morte e por ainda não teve repouso depois de haver sido arrancado ao corpo, vítima de acidente; em seu caso, o repouso é motivo para o progresso, pois é preciso que a pobre alma repouse e não se conserve fascinada no meio vicioso onde dissipou a vida, do contrário ficaria muito tempo presa à Terra. [108 - páginas 189]
I CORINTIOS [15]
Paulo de Tarso
"Em verdade, em verdade vos digo, a hora vem, e ela já veio, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e aqueles que ouvirão, viverão; porque como o Pai tem a vida em si mesmo, também deu ao Filho ter a vida nele mesmo, – e lhe deu o poder de julgar, porque é o Filho do homem." (São João, cap. V, v. 22 a 27.)
O plano impressivo da mente grava as imagens dos preconceitos e dogmas_religiosos com singular consistência. A transformação compulsória, pelo decesso, reintegrará a criatura no patrimônio de suas faculdades_superiores. O trabalho, porém, não pode ser brusco, sob pena de ocasionar desastres emocionais de graves consequências. Urge considerar a necessidade da medida, isto é, da gradação. Há, contudo, observação valiosa a destacar. Como vemos, não é a rotulagem externa que socorre o crente nas supremas horas evolutivas. É justamente a sementeira do esforço próprio, nos serviços da sabedoria_e_do_amor, que frutifica, no instante oportuno, ...
Todo lugar do Universo, portanto, pode ser convertido em santuário de luz eterna, desde que a execução dos Divinos Desígnios seja a alegria de nossa própria vontade. [40 - páginas 197]
Os que dormem Seguimos através de longas filas de arvoredo acolhedor, rumo às vastas edificações que obedeciam a linhas arquitetônicas singulares. Sem que eu pudesse explicar o fenômeno, as luzes diminuíam progressivamente. Que teria acontecido? Vicente e eu nos entreolhamos, assustados. Alfredo, Aniceto e os demais, todavia, caminhavam sem surpresa. A serenidade deles tranqüilizava-me o íntimo, embora o espanto insofreável. Mais alguns passos, atingimos os pavilhões diferentes, que se estendiam em área superior a três quilômetros, pelos meus cálculos. Lá dentro, contudo, as sombras se fizeram mais densas. Conseguia distinguir, vagamente, os quadros interiores, observando que se tratava, a meu ver, de espaçosas enfermarias com teto sólido, mas semi-abertas ao longo das paredes altas, dando livre passagem ao ar. Dezenas de operários, devotados e operosos, seguiam-nos em absoluto silêncio. Alfredo era o único a falar, notando-se, contudo, que se fizera extremamente discreto nas palavras. Tudo isso me dava a impressão de haver penetrado um cemitério escuro, onde os visitantes fossem obrigados a guardar todo o respeito aos mortos. Com estranheza, notei que um dos servidores entregara ao chefe do Posto pequenina máquina, que Alfredo nos deu a conhecer gentilmente, explicando: — Este é o nosso aparelho de sinalização luminosa. Estamos no centro dos pavilhões a que se recolhem irmãos ainda adormecidos. Temos aqui, presentemente, quase dois mil. Os numerosos cooperadores dirigiam-se em ardente para a zona de serviços que lhes competiam. Depois de pequena pausa, falou o administrador com firmeza: — Iniciemos o trabalho de assistência. Ao primeiro sinal luminoso de Alfredo, acenderam-se numerosas lâmpadas elétricas e, então, dominando, a custo, a primeira impressão de horror, vi extensas filas de leitos ao rés-do-chão, ocupados todos por pessoas mergulhadas em profundo sono.
Recordando a literatura antiga, pensei nos velhos túmulos egípcios.
Aproximando-se de nós outros, Alfredo falou a Aniceto, em particular: — Infelizmente, não podemos atender a todos. — Estamos aguardando pessoal adestrado. Tenho aqui a colaboração de oitenta auxiliares para este gênero de serviço; entretanto, não pode cada qual atender a mais de cinco doentes de uma só vez. À vista disso, dos nossos mil novecentos e oitenta abrigados, separei os quatrocentos mais suscetíveis de próximo despertar, a fim de submetê-los ao tratamento intensivo. — Os demais recebem alimento e medicação mais densos uma vez por dia. Profundamente tocado pelo que via, inclinei-me instintivamente para o abrigado mais próximo, tentando examinar-lhe o estado fisiológico. Identifiquei o calor orgânico, a pulsação regular e os movimentos respiratórios, embora verificasse a extrema rigidez dos membros, como que mergulhados em imobilidade cataléptica. Indescritível impressão apoderou-se de mim. Levantei-me assustado, dirigi-me a Aniceto com a máxima discrição, e interroguei: — Explicai-me, por Deus! que vemos aqui? Estamos, acaso, na moradia da morte, depois da morte? O instrutor sorriu, complacente, e explicou em voz quase imperceptível: — Sim, André, este sono é, verdadeiramente, avançada imagem da morte.
A crença na vida superior é atividade incessante das almas. A ferrugem ataca a enxada ociosa. O entorpecimento invade o Espírito vazio de ideal criador.
Muitos penetram nossas regiões de serviço, como embriões de vida, na colméia da Natureza sempre divina. Um amigo nosso costuma designá-los por fetos da espiritualidade; entretanto, a meu ver, seriam felizes se estivessem nessa condição inicial. Temos a certeza, porém, de que muitos se negaram ao contacto da fé, absolutamente por indiferença criminosa aos desígnios do Eterno Pai.
Eis porque os considero sofredores. Primeiramente, demoram no sono em que acreditaram, mais tarde acordam; porém, a maioria não pode fugir à enfermidade e à perturbação, como acontece aos irmãos dementados, que vimos inda há pouco. Grande o meu assombro. Como Vicente se aproximasse, também, para ouvi-lo, falou Aniceto, esclarecendo a nós ambos: — A fé sincera é ginástica do Espírito. Quem não a exercitar de algum modo, na Terra, preferindo deliberadamente a negação injustificável, encontrarse-á mais tarde sem movimento. Semelhantes criaturas necessitam de sono, de profundo repouso, até que despertem para o exame das responsabilidades que a vida traduz. Com exceção de algumas senhoras que permaneciam junto de Ismália, todos os servidores se mantinham em posição de vigilância, ao pé dos grupos mumificados. A luz artificial iluminava os leitos, que se perdiam de vista, mas observei que nenhum dos albergados reagia à intensa claridade que se fizera. Continuavam rígidos, cadavéricos, prostrados. Notei, então, que Alfredo começou a mover o aparelho de sinalização, para emitir as ordens de serviço. Cada sinal determinava operação diferente. Vi os servidores do Posto distribuírem pequenas porções de alimento líquido e medicação bucal, em profundo silêncio. Em seguida, forneceram reduzidas quantidades de água efluviada aos infelizes, com exceção, porém, de muitos que pareciam preparados a receber, tão somente, caldo e remédio. Dois terços dos quatrocentos abrigados em tratamento receberam passes magnéticos. Alguns poucos receberam aplicações do sopro curador. Todos os movimentos do trabalho eram transmitidos pela sinalização luminosa, partida das mãos do administrador, que parecia interessado na manutenção do máximo silêncio. Impressionado com o que via, perguntei ao orientador, em voz baixa, a razão de alguns enfermos não terem sido beneficiados com a água e com o socorro de forças novas, através do passe e do sopro vivificante. Aniceto, todo bondade, inclinou-se aos meus ouvidos, com a ternura de um pai ansioso por tranqüilizar o filhinho inquieto, e falou: — Cada um na vida, meu caro André, tem a necessidade que lhe é peculiar. Aqui, compreendemos com amplitude esse imperativo da Natureza. [103 - Capítulo 22]
Nosso instrutor conduziu-nos aos leitos distantes, onde se asilavam os enfermos desatendidos quanto ao auxílio magnético. Acompanhamo-lo, curiosos, identificando as expressões isoladas, dolorosas ou terríveis, daquelas máscaras mortuárias. Quando nos encontrávamos a regular distância da zona central, o instrutor esclareceu, em tom grave: Indicando os doentes imóveis, acrescentou:
[103 - páginas 124/125] (Ver: Fantasmas da avareza)
Prece de Ismália“
Agora dormem, Pai, à espera de vossos desígnios santos. Sabemos, contudo, Senhor, que este sono não traduz repouso do pensamento. Quase todos os nossos asilados são vítimas de terríveis pesadelos, por terem olvidado, no mundo material, os vossos mandamentos de amor e sabedoria. Sob a imobilidade aparente. movimenta-se-lhes o Espírito, entre aflições angustiosas que, por vezes, não podemos sondar.
[103 - páginas 131/132]
Pavor da Morte O colega, gentil, conduziu-nos ao interior de espaçoso necrotério, onde defrontamos um quadro interessante. O cadáver de uma jovem, de menos de trinta anos, ali jazia gelado e rígido, tendo a seu lado uma entidade masculina, em atitude de zelo. Com assombro, notei que a desencarnada estava tinida aos despojos. Parecia recolhida a si mesma, sob forte expressão de terror. Cerrava as pálpebras, deliberadamente, receosa de olhar em torno. — Terminou o processo de desligamento dos laços fisiológicos — aclamou o facultativo atento — mas a pobrezinha há seis horas que está dominada por terrível pavor. E apontando o cavalheiro desencarnado, que permanecia junto dela, cuidadoso, o receitista esclareceu: — Aquele é o noivo que a espera, há muito. Aproximamo-nos um tanto e ouvimo-lo exclamar carinhosamente: — Cremilda! Cremilda! vem! abandona as vestes_rotas. Fiz tudo para que não sofresse mais... Nossa casa te aguarda, cheia de amor e luz!... A jovem, todavia, cerrava os olhos, demonstrando não querer vê-lo. Notava-se, perfeitamente, que seu organismo espiritual permanecia totalmente desligado do vaso_físico, mas a pobrezinha continuava estendida, copiando a posição cadavérica, tomada de infinito horror. Aniceto, que tudo pareceu compreender num abrir e fechar de olhos, fez leve sinal ao rapaz desencarnado, que se aproximou comovido. É preciso atendê-la doutro modo — disse o nosso orientador, resoluto — vejo que a pobrezinha não dormiu no desprendimento e mostra-se amedrontada por falta de preparação espiritual. Não convém que o amigo se apresente a ela já, já... Não obstante o amor que lhe consagra, ela não poderia revê-lo sem terrível comoção, neste instante em que a mente lhe flutua sem rumo... — Sim — considerou ele, tristemente —, há seis horas chamo-a sem cessar, intensificando-lhe o terror. Redargüiu Aniceto, conselheiral: — Ausência de preparação religiosa, meu irmão. Ela dormirá, porém, e, tão logo consiga repouso, entregá-la-ei aos seus cuidados. Por enquanto, conserve a alguma distância. E fazendo-se acompanhar do facultativo, que assistira espiritualmente a jovem nos últimos dias, aproximou-se da recém-desencarnada falando com inflexão paternal: — Vamos, Cremilda, ao novo tratamento. Ouvindo a moça abriu os olhos espantadiços e exclamou: — Ah, doutor, graças a Deus! que pesadelo horrível! Sentia-me no reino dos mortos, ouvindo meu noivo, falecido há anos, chamar-me para a Eternidade!... — Não há morte, minha filha! — objetou Aniceto, afetuoso — creia na vida, na vida eterna, profunda, vitoriosa! — é o senhor o novo médico? — indagou, confortada. — Sim, fui chamado para aplicar-lhe alguns recursos em bases magnéticas. Torna-se indispensável que durma e descanse. — é verdade... — tornou ela de modo comovente —, estou muito cansada, necessitando de repouso... Recomendou-nos o instrutor, em voz baixa, prestássemos auxílio, em atitude íntima de oração, e, depois de conservar-se em silêncio por instantes ministrou-lhe o passe reconfortador. A jovem dormiu quase imediatamente. Deslocou-a Aniceto, afastando-a dos despojos, com o zelo amoroso dum pai, e, chamando o noivo reconhecido, entregou-a carinhosamente. — Agora, poderá encaminhá-la, meu irmão. O rapaz agradeceu com lágrimas de júbilo e vi-o retirar-se de semblante iluminado, utilizando a volitação, a carregar consigo o fardo suave do seu amor. Nosso mentor fixou um gesto expressivo e falou: — Pela bondade natural do coração e pelo espontâneo cultivo da virtude, não precisará ela de provas purgatoriais.
E, desejoso talvez de consubstanciar a síntese da lição, rematou: — Como vêem, a ideia da morte não serve para aliviar, curar ou edificar verdadeiramente. É necessário difundir a ideia da vida vitoriosa. Aliás, o Evangelho já nos ensina, há muitos séculos, que Deus não é Deus de mortos, e, sim, o Pai das criaturas que vivem para sempre. [103 - páginas 250/252]
Se há uma unanimidade nos 500 testemunhos post-mortem, sem dúvida, é esta: praticamente todos mencionaram um sono ...
Às vezes, esse sono, desmaio ou torpor, é agitado por pesadelos. Vejamos alguns depoimentos a respeito.
Vejamos um trecho de suas notícias enviadas a seus pais e ao seu irmão caçula, quando estes visitavam o médium Chico _Xavir, em Uberaba-MG (15/10/76): [livro:"A Vida Triunfa" caso 13; livro: "Enxugando Lágrimas" - p.19]
Nestorzinho ressalta:
Vejamos depoimentos que relatam uma mescla desses estados:
O filho, que o recepcionou no limiar do mundo espiritual, esclareceu-o sobre o fato. Ramiro relata na mesma mensagem:
São centenas de exemplos, como esses. Para cada Espírito, porém, o sono tem um significado diferente.
São as criaturas que nunca se entregaram ao bem ativo e renovador(...) os que acreditaram convictamente na morte, como sendo o nada, o fim de tudo, o sono eterno. (Ver: Amor e Conhecimento) Todos os que dormem às vezes, por decênios, entregam-se a pesadelos, a horríveis visões intimas. Do livro: "Nossa Vida no Além"
JOÃO [5]
ATOS [24]
Capítulo 27 (Exemplo de necessidade do sono reparador) Tobias: Instrutor de André Luiz Nunca poderia imaginar o quadro que se desenhava agora aos meus olhos. Não era bem o hospital de sangue, nem o instituto de tratamento normal da saúde orgânica. Era uma série de câmaras vastas, ligadas entre si e repletas de verdadeiros despojos humanos. Singular vozerio pairava no ar. Gemidos, soluços, frases dolorosas pronunciadas a esmo... Rostos escaveirados, mãos esqueléticas, facies monstruosas deixavam transparecer terrível miséria espiritual. Tão angustiosas foram minhas primeiras impressões que procurei os recursos da prece para não fraquejar. Tobias, imperturbável, chamou velha servidora, que acudiu atenciosamente: - Vejo poucos auxiliares - disse admirado -, que aconteceu? - o Ministro Flácus - esclareceu a velhinha em tom respeitoso - determinou que a maioria acompanhasse os Samaritanos (1) para os serviços de hoje, nas regiões do Umbral. - Há que multiplicar energias - tornou ele sereno -, não temos tempo a perder. - Irmão Tobias!... Irmão Tobias!... por caridade! - gritou um ancião, gesticulando, agarrado ao leito, à maneira de louco - estou a sufocar! Isto é mil vezes pior que a morte na Terra... Socorro! socorro! quero sair, sair!. . . quero ar, muito ar! Tobias aproximou-se, examinou-o com atenção e perguntou: - Por que teria o Ribeiro piorado tanto? - Experimentou uma crise de grandes proporções - explicou a serva - e o Assistente Gonçalves esclareceu que a carga de pensamentos sombrios, emitidos pelos parentes encarnados, era a causa fundamental desse agravo de perturbação. Visto achar-se ainda muito fraco e sem ter acumulado força mental suficiente para desprender-se dos laços mais fortes do mundo, o pobre não tem resistido, como seria de desejar. Enquanto o generoso Tobias acariciava a fronte do enfermo, a serviçal prosseguia esclarecendo: - Hoje, muito cedo, ele se ausentou sem consentimento nosso, a correr desabaladamente. Gritava que lhe exigiam a presença no lar, que não podia esquecer a esposa e os filhos chorosos; que era crueldade retê-lo aqui, distante do lar. Lourenço e Hermes esforçaram-se por fazê-lo voltar ao leito, mas foi impossível. Deliberei, então, aplicar alguns passes de prostração. Subtrai-lhe as forças e a motilidade, em benefício dele mesmo. - Fez muito bem - acentuou Tobias, pensativo -, vou pedir providências contra a atitude da família. É preciso que ela receba maior bagagem de preocupações, para que nos deixe o Ribeiro em paz. Fixei o doente procurando identificar-lhe a expressão íntima, verificando a legítima expressão de um dementado. Ele chamara Tobias como a criança que conhece o benfeitor, mas acusava profundo alheamento de quanto se dizia a seu respeito. Notando-me a admiração, o novo orientador explicou: - O pobrezinho permanece na fase de pesadelo, em que a alma pouco mais vê e ouve que as aflições próprias. O homem, meu caro, encontra na vida real o que amontoou para si mesmo. Nosso Ribeiro deixou-se empolgar por numerosas ilusões. Eu quis indagar da origem dos seus padecimentos, conhecer-lhes a procedência e o histórico da situação; entretanto, recordei as criteriosas ponderações da mãe de Lísias, relativas à curiosidade, e calei. Tobias dirigiu ao enfermo generosas palavras de otimismo e esperança. Prometeu que iria providenciar recurso a melhoras, que mantivesse calma em benefício próprio e que não se aborrecesse por estar preso à cama. Ribeiro, muito trêmulo, rosto ceráceo, esboçou um sorriso muito triste e agradeceu com lágrimas. Seguimos através de numerosas filas de camas bem cuidadas, sentindo a desagradável exalação ambiente, oriunda, como vim a saber mais tarde, das emanações mentais dos que ali se congregavam,...
- Reservam-se estas câmaras - explicou o companheiro bondosamente - apenas a entidades de natureza masculina. - Tobias! Tobias... Estou morrendo à fome e sede! - bradava um estagiário. - Socorro, irmão!... - gritava outro. - Por amor de Deus!... Não suporto mais!... - exclamava ainda outro. Coração alanceado ante o sofrimento de tantas criaturas, não contive a interrogação penosa: - Meu amigo, como é triste a reunião de tantos sofredores e torturados! Por que este quadro angustioso? Tobias respondeu sem se perturbar: - Não devemos observar aqui somente dor e desolação. Lembre, meu irmão, que estes doentes estão atendidos, que já se retiraram do Umbral, onde tantas armadilhas aguardam os imprevidentes, descuidosos de si mesmos. Nestes pavilhões, pelo menos, já se preparam para o serviço regenerador. Quanto às lágrimas que vertem, recordemos que devem a si mesmos esses padecimentos. A vida do homem estará centralizada onde centralize ele o próprio coração. E depois de uma pausa, em que parecia surdo a tantos clamores, acentuou: - São contrabandistas na vida eterna. - Como assim? - atalhei, interessado. O interlocutor sorriu e respondeu em voz firme: - Acreditavam que as mercadorias propriamente terrestres teriam o mesmo valor nos planos do Espírito. Supunham que o prazer criminoso, o poder do dinheiro, a revolta contra a lei e a imposição dos caprichos atravessariam as fronteiras do túmulo e vigorariam aqui também, oferecendo-lhes ensejos a disparates novos. Foram negociantes imprevidentes. Esqueceram de cambiar as posses materiais em créditos espirituais. Não aprenderam as mais simples operações de câmbio no mundo. Quando iam a Londres, trocavam contos de réis por libras esterlinas; entretanto, nem com a certeza matemática da morte carnal se animaram a adquirir os valores da espiritualidade. Agora... que fazer? Temos os milionários das sensações físicas transformados em mendigos da alma. Realíssimo!Tobias não podia ser mais lógico. Meu novo instrutor, após distribuir conforto e esclarecimento a granel, conduziu-me a vasta câmara anexa, em forma de grande enfermaria, notificando: - Vejamos alguns dos infelizes semimortos. Narcisa, a servidora, acompanhava-nos, solícita. Abriu-se a porta e quase cambaleei ante a surpresa angustiosa. Trinta e dois homens de semblante patibular permaneciam inertes em leitos muito baixos, evidenciando apenas leves movimentos de respiração. Fazendo gesto significativo com o indicador, Tobias esclareceu: - Estes sofredores padecem um sono mais pesado que outros de nossos irmãos ignorantes. Chamamos-lhes crentes negativos. Ao invés de aceitarem o Senhor, eram vassalos intransigentes do egoísmo; ao invés de crerem na vida, no movimento, no trabalho, admitiam somente o nada, a imobilidade e a vitória do crime. Converteram a experiência humana em constante preparação para um grande sono e, como não tinham qualquer ideia do bem, a serviço da coletividade, não há outro recurso senão dormirem longos anos, em pesadelos sinistros. Não conseguia externar meu espanto. Muito cuidadoso, Tobias começou a aplicar passes de fortalecimento, sob meus olhos atônitos. Finda a operação nos dois primeiros, começaram ambos a expelir negra substância pela boca, espécie de vômito escuro e viscoso, com terríveis emanações cadavéricas. - São fluidos venenosos que segregam - explicou Tobias, muito calmo. Narcisa fazia o possível por atender prontamente à tarefa de limpeza, mas debalde. Grande numero deles deixava escapar a mesma substância negra e fétida. Foi então, que, instintivamente, me agarrei aos petrechos de higiene e lancei-me ao trabalho com ardor. A servidora parecia contente com o auxílio humilde do novo irmão, ao passo que Tobias me dispensava olhares satisfeitos e agradecidos. O serviço continuou por todo o dia, custando-me abençoado suor, e nenhum amigo do mundo poderia avaliar a alegria sublime do médico que recomeçava a educação de si mesmo, na enfermagem rudimentar. __________ (1) Organização de Espíritos benfeitores em "Nosso Lar". |
As consciências
que dormitam, 