____Agora, julgo oportuno tocar também, ainda que ligeiramente, nos estados de “ perfeição angélica” da existência espiritual, isto é, nas condições de meio em que se encontram, segundo estas revelações, os Espíritos que chegaram ao termo do longo ciclo de purificação, percorrido através das esferas_de_transição aqui consideradas. É bastante verossímil que eles, ante os resultados a que chegamos com este primeiro ensaio de análise comparada, aplicada às “revelações transcendentais”, hajam ponderado a si mesmos: “Muito bem; sabemos agora, fundados em fatos, que os Espíritos de defuntos entram numaprimeira fase de existência espiritualque constitui uma reprodução espiritualizada do meio e da existência terrestres. É uma fase transitória, se bem que de muito longa duração, destinada a preparar gradualmente os recém-chegados à existência espiritual propriamente dita. Tudo isso já constitui um acervo importante de conhecimentos adquiridos a tal respeito. Mas, que havemos de pensar da existência espiritual propriamente dita? Como a devemos conceber? Que significa passar ao estado de “ puros Espíritos”?
____Prevejo que as mensagens transcendentais, emanadas de inteligências espirituais existentes no estado de “puros Espíritos”, isto é, na condição de um ser não mais limitado pela “forma”, deveriam ser, teoricamente, raras ao extremo. É o que realmente se dá na prática. Todavia, conhecem-se apanhados de “revelações transcendentais”, provenientes de “inteligências” que teriam chegado aos cumes supremos da existência espiritual. É o que se deveria dizer, por exemplo, ...
- da personalidade mediúnica “Imperator”, que ditou a William Stainton Moses os famosos Ensinos Espiritualistas,
- assim como da personalidade mediúnica “Celfra”, que ditou a Frederico Haines a preciosa brochura de “revelações transcendentais” intitulada Thus saith Celphra.
____Ora, nas mensagens dessas inteligências muito elevadas, alguns esclarecimentos se encontram acerca do que se deveria entender por uma existência espiritual “não mais limitada pela forma”. É claro que as Inteligências em questão começam por dizer que um Espírito encarnado jamais chegará a penetrar esse mistério; elas, porém, se prestam a esclarecê-lo um pouco, recorrendo a imagens e símbolos acessíveis à mentalidade dos vivos.
____Limitar-me-ei a reproduzir os esclarecimentos dados a tal respeito pela personalidade mediúnica de “Celfra”, entidade que afirma ser o Espírito de um monge da Nicomédia, que viveu no século III da era cristã.
____Principiarei pela reprodução de duas passagens, em que essa entidade confirma a existência de “esferas espirituais de transição”, nas quais os Espíritos guardam a forma humana e se vêem num meio análogo ao terrestre.
- “Esse peso – se se pode empregar tal termo – do Espírito recém-chegado ao mundo espiritual, provém das condições de pecado em que toda gente aí chega. Essa condição é concomitante com a natureza ainda “terrenal” do conteúdo da alma. Esta se conserva substancial e, de um certo ponto de vista, quase sólida; continua, pois, escrava da “forma”, isto é, acha-se ainda limitada pelas condições da existência terrestre. Isto pode fazer compreendais por que, no curso das vossas sessões, vedes Espíritos que se manifestam em forma humana... (página 40).
- Segue-se que, enquanto a alma (que cumpre se distinga do Espírito) do recém-vindo estiver ligada ao mundo dos vivos, de qualquer grau que seja a ligação, o Espírito do recém-chegado não pode deixar de existir numa condição quase terrena, por se encontrar num meio espiritual de realização do seu ser, meio que se determina graças ao conjunto de suas concepções acerca de si mesmo. É assim que tem ainda necessidade de gozar das alegrias quase terrenas, de se achar entre pessoas que lhe eram familiares e caras, de se entregar às suas ocupações favoritas, tudo isso com uma transformação para melhor, correspondente às condições espirituais em que se encontra. Repito: essa a causa por que, nas esferas_espirituais_próximas_do_mundo_dos_vivos, os Espíritos existem em condições análogas às terrenas. Isto explica por que tantos Espíritos poucos circunspectos, quando se comunicam mediunicamente, se deixam ir até a desvendar aos vivos, sequiosos do maravilhoso, suas existências em um meio espiritual análogo ao terrestre...” (página 97).
____Nestas outras passagens das comunicações de “Celfra”, trata ele de dar esclarecimentos gradativos sobre o que se deveria entender por “um Espírito não mais limitado pela forma”:
- “Dito isto, farei notar que a dificuldade que encontrais para conceber o alcance efetivo da alma provém da vossa concepção física das limitações do espaço. Sabei, pois, que o “conteúdo” da alma de modo algum se acha contido nos limites do “ corpo_etéreo”. A alma, no curso da sua existência terrena e ainda por muito tempo após a morte do corpo, está bem revestida de uma forma, guarda bem uma identidade pessoal (e nesse sentido é limitada), mas isso não impede que sua atividade seja, apesar de tudo, “radiante” e que esse estado de incessante irradiação se estenda desmedidamente na existência espiritual. Este conceito devera ser acessível às vossas mentes, por efeito das experiências sonambúlico-mediúnicas, nas quais a “ aura”, que é visível aos clarividentes, bem mostra a realidade das irradiações da alma. Esta última circunstância, sendo também para vós uma questão de fato, deveria conduzir-vos a abandonar a concepção errônea de uma alma limitada pelo corpo... (págs. 83-84).
- Reconheço, entretanto, que, no meio terrestre, a sensação do ser depende exclusivamente da existência do pensamento consciente. Mas, após_a_morte_do_corpo, nas altas esferas espirituais, a faculdade de pensar experimenta uma transformação e uma expansão prodigiosas. A identidade é assim conferida ao Espírito por um atributo que não podeis conceber. E não o podeis conceber porque a organização sensorial, dominando a vossa capacidade mental, vos faz “ver” todas as coisas nos termos da matéria. Deveríeis compreender, no entanto, que a “forma”, sendo uma “limitação do espaço”, deixa de ser concebível onde a “matéria” e a “relatividade do espaço” já não existem. Porém, se as condições de existência no “plano etéreo”, que é a verdadeira morada espiritual, são inconcebíveis para um Espírito encarnado, deveríeis, pelo menos, compreender uma coisa: “Não estando mais limitado pela forma, um puro_Espírito manifesta a sua personalidade com o auxílio do conteúdo da alma que se revela integralmente e instantaneamente a todos os Espíritos que com ela tenham afinidade, sem poder abafar ou atenuar em parte as “vibrações” que sem cessar se desprendem desse centro de existência espiritual. (págs. 36-37).
- Compreenderás alguma coisa, se eu te disser que, além da periferia muito restrita em que se acha circunscrita a consciência humana, há um “estado radiante do ser”, abrangendo o passado, o presente e o futuro, no qual “conhecer” equivale a “ser” e “ser” equivale a “conhecer”?” (página 36).
____Parece-me que quem examinar convenientemente estas passagens da obra de “Celfra”, onde se fala do estado de existência dos “puros Espíritos”, poderá formar ideia aproximada, bastante acessível a uma mentalidade humana, do que deveria significar uma condição de existência espiritual não mais limitada pela “forma”.
____A esse respeito, acho muito notável esta outra definição, análoga à precedente, dada por uma personalidade mediúnica elevada e à qual alude a Revista Light (1918, página 417). Essa entidade definiu as condições de sua existência espiritual dizendo: Somos um “centro de irradiação” que possui a identidade. Acho-a uma clara definição sintética da existência transcendental de “puros Espíritos”, definição certamente inconcebível para a nossa mentalidade, mas que, entretanto, não é impensável. Isto basta para que seja tomada em consideração, do ponto de vista filosófico.
____Resumamos. Segundo o que expusemos, parece que, na condição de “puro Espírito", toda entidade se despoja da “forma”, tornando-se um “centro consciente de irradiação psíquica”, em que ainda existe a identidade, mas sob um aspecto para nós inconcebível e qualificativamente diferente da identidade pessoal terrestre, muito embora toda individualidade pessoal terrestre possa vir a encontrar-se nessa condição muito elevada de existência, porque o “estado radiante do ser abrange o passado, o presente e o futuro” – como o afirma “Celfra”. Em outros termos: Dada uma condição do ser, emancipado da matéria, da forma e da relatividade do espaço, resulta daí que as “ vibrações_psíquicas”, irradiando sem cessar de todo “centro espiritual individual”, invadem instantaneamente o Universo inteiro, conferindo a onipresença e a onisciência à fonte consciente e inesgotável, donde elas promanam. Ora, é natural que o atributo da onisciência suponha necessariamente que cada “ entidade_espiritual”, havendo atingido o estado de perfeição angélica, tenha conhecimento de todos os sucessos em que haja sido parte, num passado muito distante, quando era a personalidade encarnada, que foi o germe de seu Espírito. [106 - páginas 157 /162] - Ernesto Bozzano - (Gênova, 9 de janeiro de 1862 - 24 de junho de 1943) |