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O instinto conhece química,
anatomia; em alguns casos sabe até anestesiar o inimigo, com injeções nos gânglios
nervosos, no ponto estratégico que paralisa os movimentos. Uma espécie de
himenópteros, necessitados de provisões imóveis, mas vivas, conhecia anatomia
e anestesia antes do homem, o instinto tem previdências incríveis,
sobretudo em seres primitivos. Um
exemplo entre os coleópteros: a larva lignívora do capricórnio
(cerambix miles) nascida cega, surda, sem olfato, com apenas um pouco de
paladar e de tato - esse rudimento de sensibilidade que nenhuma aquisição psíquica
pode obter no ambiente (no caso, é um tronco de carvalho, onde vive perfurando
e digerindo) — esse pobre tubo digestivo possui uma sabedoria imensamente
superior à sua organização e a seus meios, comporta-se com uma racionalidade
e presciência extraordinárias. Prepara, com antecipação, um caminho de saída do tronco, que não poderia furar no estado de inseto perfeito; constrói, perto da saída, uma cavidade para sua maturação de ninfa; fecha-se dentro dela com o corpo orientado para a saída, pois sem essa precaução o inseto adulto, todo encouraçado não poderia dobrar-se para sair. E tantas outras coisas sabe por antecipação! Donde lhe vem essa ciência? Não sabeis responder. Mas pensai que, se a forma visível é um verme, ele sintetiza em seu psiquismo o princípio que resume todas as formas que o inseto assume e que, em sua vida, adotou há milênios; pensai que esse verme traz em seu psiquismo a recordação de todas as experiências vividas como inseto perfeito; em outros termos, o fenômeno está sempre potencialmente completo, mesmo na fase de transição que vedes, porque, se a forma mutável se transforma, o psiquismo animador está sempre todo presente a cada momento de suas sucessivas manifestações. Então, no psiquismo estão os recursos dessa ciência superior às aparências da forma. Chamasteis a isso de instinto e não sabeis explicar, num instinto, uma racionalidade tão previdente. O instinto não é inferior à razão humana, a não ser pelo campo mais limitado que domina e pelo fato de que, sendo, como evolução, mais próximo do determinismo da matéria, é fenômeno mais simples e mecânico; enquanto o espírito, por evolução, distanciou-se mais da matéria e conquistou aquela complexidade e riqueza de caminhos que denominais de livre-arbítrio, característica, como vimos, da fase das criações. Cada ser, tanto quanto o homem, traz consigo esse sutil psiquismo ...
Esse princípio resume, verdadeiramente a hereditariedade das características adquiridas, implanta-se no germe e lhe dá novamente a marca recebida das impressões e experiências vividas. Ele precede o nascimento e sobrevive à morte, mesmo nos animais, também eles — e é justo — pequenos fragmentos de imortalidades e de eternidade; ele renasce continuamente, enriquecendo-se com a experiência de cada existência. Vós mesmos podeis verificar com a domesticação e adestramento, que nos animais as portas do instinto não estão fechadas, ou seja, ele tem ainda, sob vossos olhos, a capacidade de enriquecer-se com qualidades, de assimilar coisas novas. Há sempre uma possibilidade de progresso no raciocínio cristalizado do instinto. As qualidades, mesmo no homem, nutrem-se, continuamente por seu exercício cotidiano. o psiquismo plasma-se num processo de constante elaboração: no campo orgânico, como no psíquico, a falta de uso atrofia e destrói, da mesma forma que a atividade cria órgãos e aptidões (daí a necessidade biológica do trabalho). (Ver: Alma dos animais) Falei de um inseto, mas os casos são infinitos. Sem esses conceitos, o fenômeno do instinto, de sua formação, de sua presciência, e os próprios fenômenos da hereditariedade permaneceriam no mistério insolúvel. |
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