Desde os séculos II e III, a Igreja, institucionalizada e difundida em todo o Império, ressentiu-se de um problema interno: a diferença entre os graus de crença nas várias camadas sociais. Surgiu uma distância entre a fé popular e a teologia dos letrados. Assim, a elite exigia da Igreja um aprimoramento doutrinário, porque "o amor de Jesus não podia tolerar uma fé irracional e vulgar", segundo palavras de
Orígenes. O povo, porém, chegado ao Cristianismo graças à simplicidade de sua mensagem, assustava-se ante a complexidade das teorias e tomava a ciência teológica como palavrório perigoso.
____Essa diversidade de fé preocupou a hierarquia, receosa de perder os adeptos. Não obstante procurar sempre um meio-termo entre os opostos, o Cristianismo ortodoxo precisava definir sua doutrina para equiparar-se às ciências do mundo antigo e conseguir o beneplácito do poder romano. A massa dos cristãos, porém, distante das especulações teológicas e metafísicas, desejava crer numa divindade que andou pelo mundo e que esteve realmente "entre
nós". Assim, firmou-se a crença popular num único Deus e Senhor, contra a proposta de três deuses, como Ihes parecia querer afirmar a distinção da trindade una. (Ver: Dogma
da Trindade)
____Os teólogos, por sua vez, atacaram essa crença, à qual chamaram de monarquismo, "reinado de um só". Envolveram-se nas discussões e passaram a polemizar sobre a questão. Paulo de Samosata, bispo de Antioquia no século III, afirmava que o Cristo-Logos e o Espírito_Santo significavam apenas qualidades de único Deus: Jesus-homem obtinha inspiração do Alto e, quanto mais homem se tornava, tanto mais recebia o Espírito acabando por identificar-se com o Pai quando da ressurreição.
____Visto procederem e florescerem no Oriente, tais doutrinas receberam particular oposição da Igreja de Roma, que liderou vários sínodos e o Concílio de Nicéia, na sua condenação. Assim, em pleno reinado do pagão Aureliano, Paulo de Samosata acabou deposto pelo imperador e substituído por um bispo indicado pela Igreja da capital. A partir daí, as discussões sobre a natureza da Trindade divina provocaram, especialmente no século IV, uma ampla difusão do eruditismo teológico, que partiu dos meios intelectuais e hierárquicos da Igreja, e acabou por inflamar o povo cristão. Um padre da Igreja de Alexandria, chamado Ario, suscitou, com sua doutrina, polêmicas inicialmente restritas à comunidade local e depois alastradas por toda a cristandade. De certo modo, Ario desenvolvia a proposta monarquiana: só existia um Deus verdadeiro, o Pai Eterno, princípio de todos os seres. O Cristo-Logos tinha sido feito por Ele como instrumento para a criação do mundo, pois a divindade transcendente não podia colocar-se em contato com a matéria. Cristo, inferior e limitado, não possuía o mesmo poder divino, mas se situava entre o Pai e os homens, sem se confundir com nenhuma das naturezas, por se constituir num semi-Deus. A proposta de Ario ligava-se também ao culto antigo dos múltiplos heróis'' gregos. Sem dúvida, dentre eles, Jesus Cristo sobressaía como o maior, mas só possuía uma divindade em sentido impróprio.
____Um primeiro sínodo em Alexandria expulsou Ario da comunhão eclesiástica, mas dois outros concílios fora do Egito condenaram a decisão e reabilitaram o sacerdote.
____Sucederam-se, a partir de então, sínodos contra sínodos, excomunhões contra excomunhões, bispos contra bispos. Sobretudo no Oriente, o povo cristão, ansioso por seguir um Deus verdadeiro, viu-se afinal arrastado na controvérsia e se dividiu em facções. A luta chegou a ameaçar a unidade da Igreja e, ante o perigo de fragmentar também o Império, Constantino decidiu convocar, em 325, um concílio universal, para toda a cristandade. Definiu-se aí a doutrina resumida no chamado Símbolo de Nicéia, contrária as propostas arianas. A maioria dos prelados, corroborada por Constantino, condenou a doutrina de Ario como herética, excomungou e fez exilar a minoria de bispos discordantes e obrigou à queima dos livros da seita, promulgando a pena de morte para quem os guardasse. Mas inúmeras dúvidas relativas ao Símbolo de Nicéia reacenderam as lutas, onde os prelados se acusavam mutuamente de hereges. Com a intrusão do imperador nas decisões dogmáticas, os problemas se complicaram na medida em que os monarcas mudavam de opinião. O próprio Constantino reabilitou o arianismo e Constancio quase chegou a transformá-lo numa doutrina ortodoxa.
____Várias fórmulas dogmáticas tentaram completar a de Nicéia, acabando por ocasionar divisões entre os não-heréticos. Surgiram calúnias, suspeitas, deposições e novos exílios, ora contra os niceanos, ora contra os arianos. O conflito revelava uma clara oposição entre o Ocidente latino e o Oriente grego, sem dúvida a partir das disputas de primazia hierárquica e política. Assim, em novo sínodo geral, celebrado na fronteira dos dois impérios, os ocidentais se congregaram em torno do Símbolo de Nicéia e excomungaram os hereges; os orientais, por sua vez, apoiaram Ario e excomungaram não apenas os niceanos como o próprio bispo de Roma. O Ocidente, entretanto, conseguiu uma vitória que precipitou a ruptura entre as duas igrejas: um dos decretos reconhecia Roma como suprema instancia de apelo para a cristandade universal. Quando Teodósio, ardente partidário da Igreja Romana, tomou a direção do Império Oriental, em 378, promulgou um edito impondo a doutrina romana. Para consolidar suas medidas, convocou um concílio ecumênico em Constantinopla, que condenou as doutrinas trinitárias heréticas e colocou-as na ilegalidade, assim como todos os seus partidários. No fim do reinado de Teodósio, ao tornar-se oficialmente religião do Império, o Cristianismo ortodoxo-romano venceu em definitivo. RESUMO EXTRAÍDO DA PUBLICAÇÃO DA ABRIL CULTURAL
"AS GRANDES RELIGIÕES "
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