Personagens do texto abaixo:
| Dona Celina |
A médium de psicofonia sonambúlica. |
| André Luiz |
Espírito que ditou o texto abaixo, por intermédio do médium Chico
Xavier. |
| Áulus |
Espírito orientador de André Luiz, no plano espiritual. |
| Clementino |
Espírito - mentor espiritual- responsável pela reunião mediúnica. |
| Eugênia |
A médium de psicofonia consciente. |
| José maria |
Espírito atormentado, trazido à sessão para
tratamento. |
| Raul Silva |
Encarnado, membro da reunião mediúnica, responsável pela doutrinação
do espírito manifestante. |
| Hilário |
Espírito, companheiro de André Luiz. |
Dona
Celina, o melhor instrumento da casa, é quem deve acolher o indesejável
comunicante (espírito atormentado).
Reparei-lhe
a luminosa auréola, na médium, contrastando com a vestimenta
pestilencial do forasteiro, e deixei-me avassalar por incoercível temor.
Semelhante
providência não seria o mesmo que entregar uma harpa delicada às patas
de uma fera?Áulus,
porém, deu-se pressa em explicar-nos:
- Acalmem-se. O amigo
dementado penetrou o templo com a supervisão e o consentimento dos
mentores da casa. Quanto aos fluidos_de_natureza_deletéria, não
precisamos temê-los. E, compreendendo-se que mais
ajuda aquele que mais pode, nossa irmã Celina é a companheira ideal para
o auxílio desta hora.
Indicando-a,
exclamou:
- Observemos.
A
médium desvencilhou-se do corpo físico, como alguém que se entregava a
sono profundo, e conduziu consigo a aura brilhante de que se coroava.
Clementino não teve necessidade de socorrê-la. Parecia afeita àquele gênero de
tarefa. Ainda assim, o condutor do grupo amparou-a, solícito.
A nobre senhora fitou o
desesperado visitante com manifesta simpatia e abriu-lhe os braços,
auxiliando-o a senhorear o veículo físico, então em sombra.
Qual se fora atraído por
vigoroso imã, o sofredor arrojou-se sobre a organização física da médium,
colando-se a ela, instintivamente.
Auxiliado pelo guardião que
o trazia, sentou-se com dificuldade, afigurando-se-me intensivamente
ligado ao cérebro mediúnico.
Se Eugênia, a
médium de psicofonia_consciente, revelara-se benemérita enfermeira, e Dona
Celina surgia aos nossos olhos por abnegada mãezinha, tal a devoção
afetiva para com o hóspede infortunado.
Dela partiam fios brilhantes
a envolve-lo inteiramente e o recém-chegado, em vista disso, não
obstante senhor de si, demonstrava-se criteriosamente controlado.
Assemelhava-se a um peixe em
furiosa reação, entre os estreitos limites de um recipiente que, em vão,
procurava dilacerar.
Projetava de si estiletes de
treva, que se fundiam na luz com que Celina-alma o rodeava,
dedicada.
Tentava gritar impropérios,
mas debalde.
A médium era um instrumento
passivo no exterior, entretanto, nas profundezas do ser, mostrava as
qualidades morais positivas que lhe eram conquista inalienável, impedindo
aquele irmão de qualquer manifestação menos digna.
- Eu sou José
Maria ... – clamava o visitante, irritadíssimo, enfileirando outros
nomes com o evidente intuito de lançar importância sobre a sua origem.
Amontoava
reclamações, deitava reprimendas e revoltava-se exasperado, contudo,
percebi que não usava palavras semelhantes às que proferira junto de nós.
Achava-se como que manietado, vencido, embora prosseguisse rude e áspero.
Aparecia tão completamente
implantado na organização fisiológica da medianeira, tão espontâneo e
tão natural, que não sopitei as perguntas a me escorrerem céleres do
pensamento.
A mediunidade falante em Celina
era diversa?Eugênia
e ela se haviam desligado da veste carnal, durante o trabalho ... Por que a primeira se mantivera preocupada, qual enfermeira inquieta,
enquanto que a segunda parecia devotada tutora do irmão dementado,
seguindo-o com cuidados de mãe? Por que numa delas a expectação
atormentada e na outra a serena confiança?Desculpando-nos a condição
de aprendizes, Áulus passou a esclarecer-nos, enquanto Clementino
e Raul Silva amparavam o comunicante, através de orações e
frases renovadoras de incentivo ao bem.
- Celina –
explicou, bondoso – é sonâmbula
perfeita. A psicofonia, em
seu caso, se processa sem necessidade de ligação da corrente nervosa do
cérebro mediúnico à mente do hóspede que o ocupa. A espontaneidade
dela é tamanha na cessão de seus recursos às entidades necessitadas de
socorro e carinho, que não tem qualquer dificuldade para desligar-se de
maneira automática do campo sensório, perdendo provisoriamente o
contacto com os centros motores da vida cerebral. Sua posição medianímica
é de extrema passividade. Por isso mesmo, revela-se o comunicante mais
seguro de si, na exteriorização da própria personalidade. Isso, porém,
não indica que a nossa irmã deva estar ausente ou irresponsável. Junto
do corpo que lhe pertence, age na condição de mãe generosa, auxiliando
o sofredor que por ela se exprime qual se fora frágil protegido de sua
bondade. Atraiu-o a si, exercendo um sacrifício voluntário, que lhe é
doce ao coração fraterno e José
Maria, desvairado e desditoso, imensamente inferior a ela, não lhe pôde
resistir. Permanece, assim, agressivo tanto quanto é, mas vê-se
controlado em suas menores expressões, porque a mente superior subordina
as que lhe situam à retaguarda, nos domínios do espírito. É por essa
razão que o hóspede experimenta com rigor o domínio afetuoso da missionária
que lhe dispensa amparo assistencial. Impelido a obedecer-lhe, recebe-lhe
as energias mentais constringentes que o obrigam a sustentar-se em
respeitosa atitude, não obstante revoltado como se encontra.
Diante
da pausa que se fazia natural, reparamos que Silva conseguia franca
progresso na doutrinação.
O
ex-tirano rural começava a assimilar algumas réstias de luz.
Hilário,
contudo, provocou a continuidade da lição, perguntando:
- Embora seja
preciosa auxiliar, como vemos, não se lembrará Dona Celina das palavras que o visitante pronuncia por seu intermédio?- Se quiser, poderá
recordá-las com esforço, mas na situação em que se reconhece, não vê
qualquer vantagem na retenção dos apontamentos que ouve.
- Indubitavelmente
– ponderou meu colega – observamos singular diferença entre as duas médiuns
que caíram em transe ... tenho a ideia de que , na psicofonia_consciente, Dona Eugênia exercia um controle mais direto sobre o hóspede que lhe utilizava
os recursos, ao passo que Dona Celina, embora vigiando o
companheiro que se comunica, deixa-o mais à vontade, mais livre... Caso não
Fosse Dona Celina a trabalhadora hábil, capaz de intervir a tempo,
em qualquer circunstância menos agradável, não seria de preferir as
faculdades de Dona Eugênia?
- Sim, Hilário,
você tem razão. O sonambulismo puro, quando em mãos desavisadas, pode produzir belos fenômenos, mas é
menos útil na construção espiritual do bem. A psicofonia
inconsciente,
naqueles que não possuem méritos_morais suficientes à própria defesa,
pode levar à possessão, sempre nociva, e que por isso, apenas se
evidencia integral nos obsessos que se renderam às forças
vampirizantes.
Hilário
refletiu um momento e tornou a considerar:
- Aqui, vemos a médium
fora do vaso_físico, dominando mentalmente a entidade que lhe é
inferior... Mas... e se fosse o contrário? Se tivéssemos aqui uma
entidade intelectualmente superior senhoreando mentalmente a médium?- Nesse caso –
redargüiu o paciente interlocutor -, Celina seria naturalmente
controlada.
Se
o comunicante fosse, nessa hipótese, uma inteligência degenerada e
perversa, a fiscalização correria por conta dos mentores da casa e, em
se tratando de um mensageiro com elevado patrimônio de conhecimento e
virtude, a médium apassivar-se-ia com satisfação, porquanto lhe
aproveitaria as vantagens da presença, tal como o rio se beneficia com as
chuvas que caem do alto.
O
instrutor ia continuar, mas Clementino solicitou-lhe o concurso para a
remoção de José Maria que, algo renovado, principiava a aceitar o serviço
da prece, chegando mesmo a atingir a felicidade de chorar.Nosso
orientador passou a contribuir na assistência ao visitante, que foi
novamente entregue ao amigo paternal que o trazia, a fim de internar-se em
organização socorrista distante.
[28a - página 69] André Luiz
|