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Maurice Lachâtre foi, por vontade própria e/ou imposição dos fatos, o
contestador espírita por excelência. Intelectual e editor francês, achava-se
estabelecido em Barcelona com uma livraria, quando solicitou a Kardec
seus livros para divulgá-los na Espanha. Só não contava com a intolerância
do bispo da cidade. Por ordem deste, as obras foram apreendidas e queimadas numa
grande fogueira. O episódio, ocorrido a 9 de outubro de 1861, conhecido como o Auto-de-fé
de Barcelona, apenas serviu para revigorar a coragem do livreiro.
http://lachatre.com.br/editora.php (Link desativado)
O Auto de Fé de Barcelona foi a queima, em praça pública, em Barcelona, Espanha, de 300 volumes de obras espíritas, que Kardec remetera ao livreiro Maurício Lachâtre, em 09 de outubro de 1861, às 10:30 horas http://www.melim.com.br/~peninha/allan.htm (Link desativado)
Não informamos nada, aos nossos leitores, sobre esse fato, que já não
saibam pela via da imprensa; o que ocorreu de
admirar, foi que os jornais, que passam geralmente por bem informados,
hajam podido colocá-lo em dúvida; essa dúvida não nos surpreende; o
fato em si mesmo parece tão estranho para o tempo
em que vivemos, e está de tal modo longe de nossos
costumes que, alguma cegueira que se reconhecesse ao fanatismo, crê-se
sonhar ouvindo dizer que as fogueiras da
inquisição se acendem ainda em 1861, à porta da França; a
dúvida, nessa circunstância, é uma homenagem prestada à civilização
européia, ao próprio clero católico. Em presença
de uma realidade incontestável hoje, o que deve mais espantar, é que
um jornal sério, que cai cada dia, sem dó nem piedade, sobre os
abusos e as usurpações do poder sacerdotal, não
haja encontrado, para assinalar esse fato, senão algumas palavras zombeteiras,
acrescentando: "Em todo caso, não seremos nós que nos divertiremos,
neste momento, em fazer girar
as mesas na Espanha." (Siècle de 14 de outubro de
1861.)
Porque não se investe assim contra uma infantilidade sem conseqüência, e Don Quixote não retornou na Espanha para se bater contra os moinhos de vento.O que não é menos exorbitante, e o que contra o qual se espanta, é não se ter visto um protesto enérgico, é a estranha pretensão que se arroga o bispo de Barcelona de fazer a polícia na França. Ao pedido que foi feito de reexportar as obras, respondeu com uma recusa assim motivada: A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.Assim, eis um bispo estrangeiro, que se institui em juiz do que convém ou não convém à França! A sentença, portanto, foi mantida e executada sem mesmo isentar o destinatário das despesas de alfândega, que se teve muito cuidado em fazê-lo pagar. Eis a narração que nos foi pessoalmente dirigida: "Este dia, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez horas e meia da manhã, sobre a esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:
"Assistiram ao auto-de-fé:
Uma parte dessas cinzas nos foi enviada; com elas se encontra um fragmento de O Livro dos Espíritos consumido pela metade. Nós o conservamos preciosamente, como um testemunho autêntico desse ato insensato. Toda opinião à parte, esse assunto levanta uma séria questão de direito internacional. Reconhecemos ao governo espanhol o direito de proibir a entrada, sobre o seu território, das obras que não lhe convém, como a de todas as mercadorias proibidas. Se essas obras tivessem sido introduzidas clandestinamente e em fraude, nada haveria a dizer; mas são expedidas ostensivamente e apresentadas na alfândega; era, pois, uma permissão legalmente solicitada. Esta acreditou dever referi-la à autoridade episcopal que, sem outra forma de processo, condena asobras a serem queimadas pela mão do carrasco. O destinatário pediu, então, para reexportá-las para o lugar de origem, e lhe foi respondido pelo fim de não receber, relatado acima. Perguntamos se a destruição dessa propriedade, em tais circunstâncias, não é um ato arbitrário e fora do direito comum.Examinando-se este assunto do ponto de vista de suas conseqüências, diremos primeiro que não houve senão uma voz para dizer que nada podia ser mais feliz para o Espiritismo. A perseguição sempre foi aproveitável à ideia que se quis proscrever; por aí se lhe exalta a importância, se lhe desperta a atenção, e fazendo-o conhecer por aqueles que o ignoram. Graças a esse zelo imprudente, todo o mundo, em Espanha, vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é é tudo o que desejamos. Podem-se queimar os livros, mas não sequeimam as ideias; as chamas das fogueiras as super-excitam em lugar de abafá-las. As ideias, aliás, estão no ar, e não há Pirineos bastante altos para detê-las; e quando uma ideia é grande e generosa, ela encontra milhares de peitos prontos para aspirá-la. O que se lhe haja feito, o Espiritismo já tem numerosas e profundas raízes na Espanha; as cinzas da fogueira vão fazê-las frutificar. Mas não será só na Espanha que esse resultado será produzido, é o mundo inteiro que lhe sentirá o contragolpe. Vários jornais da Espanha estigmatizaram esse ato retrógrado, como o merece. Lás Novedades de Madrid, de 19 de outubro, entre outros, contém, sobre esse assunto, um notável artigo; nós o reproduziremos em nosso próximo número.Espíritas de todos os países! Não vos esqueçais desta data de 9 de outubro de 1861; ela será marcada, nos fastos do Espiritismo; que ela seja para vós um dia de festa e não de luto, porque é a garantia do vosso próximo triunfo!Entre as numerosas comunicações que os Espíritos ditaram sobre esse acontecimento, não citaremos senão as duas seguintes, que foram dadas espontaneamente na Sociedade de Paris; elas dele resumem todas as causas e todas as conseqüências.
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O Auto de Fé de Barcelona foi a consagração
do Espiritismo.
Literalmente o seu batismo de fogo. Mas a Espanha levantou-se como um só homem,
para saber o que era essa doutrina que aterrorizava o clero. A comissão
episcopal foi vaiada pelo povo, e assim que a guarda armada se retirou da praça
do Quemadero, onde muitos mártires tiveram seus corpos incinerados no intuito
de salvar as suas almas, o povo simples recolheu as cinzas dos livros e
fragmentos que não foram consumidos pelas chamas, e levaram para as suas casas.
Um exemplar de O Livro_dos_Espíritos,
carbonizado pela metade, foi enviado a Allan Kardec, que o guardou como
uma doce lembrança. A violência clerical e o servilismo do Estado, consagrou
também o livreiro “ Lachatre”.
Muitas outras perseguições viriam. Muitas lágrimas ainda seriam derramadas.
É por isso que o movimento espírita tem que respirar liberdade, tem que ser
compreensivo, mas não conivente, porque venceu a ditadura de Napoleão 3º - a
força esmagadora da perseguição religiosa, o orgulho acadêmico das ciências,
o esnobismo filosófico, para firmar-se como doutrina consoladora e iluminadora.Amílcar Del Chiaro Filho http://www.espirito.org.br/portal/artigos/amilcar/audo-de-fe-de-barcelona.html (Link desativado)
Os jornais espanhóis não foram tão moderados em reflexões, sobre esse
acontecimento, quanto os jornais franceses. Qualquer
que seja a opinião que se professe com respeito às ideias
espíritas, há, no próprio fato, alguma coisa de tão estranha para o
tempo em que vivemos, que ele excita mais piedade do
que cólera contra as pessoas que parecem ter dormido
há vários séculos, e despertado sem ter consciência do caminho que a
Humanidade percorreu, crendo-se, ainda, no ponto de
partida.
Eis um extrato do artigo publicado, a esse respeito, por
Las Novedades, um dos grandes jornais de
Madrid: "O auto-de-fé celebrou há alguns
meses em Ia Corogne, onde se queimou um grande número de
livros à porta de uma igreja, produzira em nosso espírito, e no de todos
os homens de ideias liberais, tristissimas
impressão. Mas foi com uma indignação muito maior ainda que foi recebida,
em toda a Espanha, a novidade do segundo auto-de-fé celebrado em Barcelona, nessa bela capital civilizada da Catalunha, em meio de uma
população essencialmente liberal, à qual, sem
dúvida, se fez esse insulto bárbaro, porque se reconhece nela grandes qualidades."
Depois de dar conta dos fatos segundo o jornal de Barcelona, acrescenta: "Eis o repugnante espetáculo que os homens da união
liberal autorizaram, em pleno século XIX: uma
fogueira em Ia Corogne, uma outra em Barcelona, e muita outras ainda
que não faltarão em outros lugares. Foi o que
deveria acontecer, porque é uma conseqüência imediata do
espírito geral que domina o estado de coisas atual, e que se reflete em
todas as coisas.
Reação interna relativamente aos projetos de lei que se apresenta;
reação externa apoiando todos os governos
reacionários da Itália, antes e depois de sua queda, combatendo as
ideias liberais em todas as ocasiões, procurando o
apoio da reação de todos os lados, e obtendo-o ao
preço de mais inábeis concessões."
Seguem longas considerações relativamente aos sintomas e
às conseqüências desse ato, mas que, pelo seu
caráter essencialmente político, não são da alçada de nosso jornal.
O Diário de Barcelona, jornal ultramontano, foi o primeiro que
anunciou o auto-de-fé, dizendo que "Os
títulos dos livros queimados bastavam para justificar a sua condenação;
que é o direito e o dever da Igreja fazer respeitar
a sua autoridade, tanto mais quando se dá mais liberdade
à imprensa, principalmente nos países que jouissent (gozam) da
terrível praga da liberdade dos cultos". La Carona, Jornal de Barcelona, fez, a esse
respeito, as reflexões seguintes: "Esperávamos
que nosso colega (le Diaro), que dera a notícia, teria a bondade
de satisfazer a curiosidade do público sério,
alarmado com semelhante ato, incrível no tempo em que vivemos;
mas foi em vão que esperamos as suas explicações. Desde então, fomos
assaltados por perguntas sobre esse acontecimento, e
nos manda a verdade dizer que os amigos do governo
com ele sentem mais dificuldades do que aqueles que lhe fazem oposição.
"No objetivo de satisfazer a curiosidade tão
vivamente excitada, procuramos a verdade, e temos o pesar de dizer que o fato é exato, e que, com
efeito, o auto-de-fé foi celebrado nas circunstâncias
seguintes: "Os expedientes
empregados para chegar a esse resultado não podem ser mais expeditos nem mais eficazes. Apresentam-se ao controle da alfândega
os livros supracitados; respondese ao caixeiro que
não se poderia expedir sem uma autorização do senhor bispo. O senhor bispo estava ausente; em seu retorno, se lhe apresentou um
exemplar de cada obra, e, depois detê-los lido, ou
fazê-los ler por pessoas de sua confiança, conformando-se ao julgamento
de sua consciência, ordenou que fossem lançados ao fogo como sendo
imorais e contrários à fé católica. Reclamou-se
contra uma tal sentença, pediu-se ao governo que, uma vez
que não permitia a circulação desses livros na Espanha, se permitisse
ao menos, ao seu proprietário, reexpedi-los para o
seu lugar de origem; mas isso mesmo foi recusado, dando por
razão que sendo contra a moral e a fé
católica, o governo não podia consentir que esseslivros
fossem perverter a moral e a religião de outros países. Apesar
disso, o proprietário foi obrigado a pagar os
direitos, que parece não deveriam ser exigidos. Uma multidão imensa assistiu ao auto-de-fé, o que não tem nada para admirar,
tendo-se em conta a hora e o lugar da execução, e
sobretudo a novidade do espetáculo. O efeito que produziu sobre os assistentes foi a estupefação em uns, o riso em outros, e
a indignação entre a maioria, à medida que se
dava conta do que se passava. Palavras de ódio saíam de mais de uma
boca, depois vieram os gracejos, os ditos bufos e
mordazes da parte daqueles que vêem, com um extremo
prazer, a cegueira de certos homens; e isso tem sua razão, porque se
entrevêem, nessa reação, digna do tempo da
inquisição, o triunfo mais rápido de suas ideias; escarneciam-se
a fim de que essa cerimônia não aumentasse o prestígio da autoridade
que, com tanta complacência, se presta a
exigências verdadeiramente ridículas. Quando as cinzas dessa
nova fogueira foram resfriadas, notou-se que pessoas que estavam
presentes, ou que passavam por perto, sabedoras do
fato, se dirigiam para o lugar do auto-de-fé, e recolhiam uma
parte das cinzas para conservá-las.
"Tal é o relato desse acontecimento, do qual não se
pode impedir de falarem as pessoas que aí se
encontram; indigna-se, lamenta-se ou se rejubila, segundo a maneira de
interpretar as coisas. Os sinceros partidários da
paz, do princípio de autoridade e da religião, se afligem com
essas demonstrações reacionárias, porque compreendem que, às
reações, sucedem as revoluções, e sabem que aqueles
que semeiam ventos não podem colher senão tempestades. Os
liberais sinceros se indignam que semelhantes espetáculos sejam dados ao
mundo por homens que não compreendem a religião
sem intolerância, e querem impô-la como Maomé impôs
o seu Alcorão.
"Agora, abstração feita da qualificação dada aos livros
queimados, examinaremos o fato em si mesmo. A
jurisprudência pode admitir que um bispo diocesano tenha uma autoridade
sem apelação e possa impedir a publicação e a
circulação de um livro? Dir-se-nos-á que a lei sobre
a imprensa assinala o que se deve fazer nesse caso; mas essa lei diz que
os livros, tão maus e perniciosos que sejam,
serão lançados ao fogo com esse preparativo? Nela não encontramos
nenhum artigo que possa justificar semelhante ato. Além disso, os livros
em questão foram publicamente declarados. Um
comissário declara os livros à alfândega, porque poderiam
estar na categoria daqueles que o artigo 6 assinala; passam à censura
diocesana, o governo poderia proibir-lhe a
circulação, e a coisa estava terminada. Os padres deveriam se limitar
a aconselhar aos seus fiéis de se absterem de tal ou tal leitura, se a
julgassem contrária à moral e à religião; mas
não se deveria lhes conceder um poder absoluto que os torna
juizes e carrascos. Abstemo-nos de emitir qualquer opinião sobre o valor
das obras queimadas; o que vemos é o fato, são
suas tendências, e o espírito que ele revela. Em qual diocese
se absterá, doravante, de usar, senão de abusar, de uma faculdade que,
segundo o nosso julgamento, o próprio governo não
tem, se, em Barcelona, na liberal Barcelona, o fazem?
O absolutismo é muito sagaz; ensaia e pode dar um golpe de autoridade em
qualquer parte; se triunfa, ousa mais. Esperamos, no
entanto, que os esforços do absolutismo serão inúteis,
que todas as concessões que lhe fizeram não terão outro resultado
senão revelar o partido que, renovando as cenas
como as de quinta-feira última, se precipita, cada vez mais, no
abismo para onde corre cegamente; é o que nos faz esperar o efeito
produzido em Barcelona por esse auto-de-fé.
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