____Biografias, já li muitas.
____Personagens
importantes da História. É reconfortante ver que os homens que fazem
essa História são quase sempre pessoas comuns que amam e sofrem como
qualquer dos filhos de Deus.
____Para
mim a palavra biografia está intimamente relacionada a importância e não
vejo como alguém possa se interessar no conhecimento de uma vida que nada
tem de extraordinária, sem nada que possa sobressair. Isso no plano
material, no plano das aparências exteriores, porque, no fundo, a
“biografia” da Maria do Carmo, lavadeira, moradora da periferia, mãe
de 8 filhos, abandonada pelo marido, lutando sozinha para sobreviver e
encaminhar os filhos, pode ser mais interessante do que a de muitos dos
homens que fazem as guerras pelo mundo afora.
____Quando recebi sua mensagem dizendo que um certo Ricardo se
interessa pela minha “biografia”, embaraçado com a ideia de montar a
minha, lembrei-me de uma carta que escrevi aos colegas do curso industrial
básico da Escola Técnica de Goiânia, com os quais me reúno anualmente.
Era um estabelecimento, único em Goiânia, onde a gente tinha estudo e
internato de graça, desde que conseguisse passar pela porta estreita de
um “vestibular”. Dessa forma, a origem comum na pobreza e o nível de
inteligência razoável, formou um grupo que conta hoje com homens de
importância nas letras, na política, medicina, direito e outras áreas.
E outros, como eu, que não foram muito longe. Eis
a carta ____
Nada
de importante tenho a acrescentar. Depois da Escola Técnica tive a
felicidade de passar no concurso da Escola de Sargentos do Exército e
durante 32 anos fui um militar sem vocação para a carreira, mas
interessado em manter e fazer jus ao salário. Sorte que desde o começo
fui empregado na administração, longe da dureza das fileiras,
trabalhando desde 1972 junto a homens de ciência e tecnologia. Ainda
hoje, aposentado há quase 14 anos, trabalho em atividades espaciais.
____Casei-me
em 1961 com Eneida, uma leonina de que necessitava para me ajudar a
corrigir meus defeitos. Temos 4 filhos e 4 netos, todos lindos de morrer.
____Uma
palavra a mais a respeito da música em minha vida. Há alguns anos fazia
compras em um supermercado quando uma senhora já grisalha me abordou,
desculpando-se pela audácia. Era, me falou, professora de música. Não
havia notado, mas disse estar já há algum tempo me seguindo entre as gôndolas,
por causa de uma música que estava assobiando. Era um trecho de uma
sinfonia de Tchaikovsky que ela conhecia muito bem, e estava espantada com
o arranjo que eu fazia da música. Tivera ela a nítida impressão de que
eu me esforçava para reescrever a música, aperfeiçoando, na sua opinião,
certos trechos. E o espanto dela foi maior quando lhe disse que das notas
musicais só conhecia a clave de sol, por ser ela diferente das outras.
Insistia ela que eu tinha de ser, no mínimo, um maestro arranjador, tal a
minha execução da melodia ao assobio. Claro, devia conhecer muito de música,
mas nada da reencarnação.
____Estou
certo de que tenho um passado na música, tal a minha paixão pela arte.
De modo especial gosto de tudo que é russo, música, dança, literatura,
o que me leva a crer que vivi naquelas lonjuras. Certa feita via um vídeo
que minha irmã trouxera de lá, com um fundo musical de peças populares
da Rússia, e creio ter vivido a sensação do “Dé-Jàvu”. Pelas
minhas tendências, devo ter sido criado de quarto de alguém como
Rasputim, que Deus o tenha.
____Sempre
tive um sentimento religioso. Católico, procurava cumprir meus deveres na
religião. Minha primeira dúvida data da primeira comunhão, quando
entendi, talvez erradamente, que podia me esbaldar durante a semana e, se
confessasse e comungasse no domingo, estaria limpo.
____Quando
nasceu meu primeiro filho, maravilhado com aquela coisinha que passara
nove meses no ventre de Eneida, minhas
dúvidas e minha curiosidade se acentuaram. Incomodei tanto o pároco com
minhas indagações que ele literalmente me enxotou da Igreja.
____Desorientado
em termos de religião, li sobre várias delas, até mesmo freqüentando
seus templos, tentando me encontrar. Espiritismo nem pensar. Lembrava-me
de um batuque e uma dança esquisita na rua pobre onde morava, e isto
fazia com que eu me negasse a sequer folhear livros espíritas.
____Um
“acaso” certamente forjado pelos amigos espirituais, fez com que eu me
aproximasse um dia de um colega que se ocupava com um livro aberto.
Aproximei-me por trás e coloquei a mão em seu ombro, começando a ler o
que ele lia. Vendo meu interesse, fechou o livro e m’o entregou para que
eu me alongasse na leitura. Quando vi a capa, uma repulsa se apossou de
mim. Era o “Evangelho Segundo o Espiritismo”. Entretanto, o trabalho
dos amigos já estava feito. O pouco que havia lido já me convencera de
que o Espiritismo não era o que eu pensava.
____Habituado
e até mesmo viciado na leitura desde criança, mergulhei avidamente nos
livros espíritas que ia pedindo à Federação Espírita Brasileira, pelo
correio, na medida das disponibilidades financeiras.
____Desejoso
de ter o conhecimento à mão e com capacidade mnêmica nada privilegiada,
comecei a fazer anotações que redundaram na publicação em livro em
1996. A leitura e as anotações prosseguem e hoje temos o trabalho que
você tem em mãos e que deve ter despertado o interesse do nosso Ricardo.
Nada
a ver com BIOGRAFIA, penso. Quem sabe você ou o próprio Ricardo possa
fazer deste rascunho algo que pareça uma biografia. A tanto não me
atrevo. Estejam à vontade. Estarei sempre à disposição de vocês.
____Um
abraço fraterno
____João Gonçalves"
João
Gonçalves Filho
SQS
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Fotos
de João Gonçalves Filho