____Numa sessão_mediúnica de atendimento a espíritos sofredores, três
guardas espirituais entraram na sala, conduzindo infeliz irmão
(espírito) ao socorro do grupo. Era infortunado solteirão desencarnado
que não guardava consciência da própria situação. Incapaz de enxergar
os vigilantes que o traziam, caminhava à maneira de um surdo-cego,
impelido por forças que não conseguia identificar. ____- É
um desventurado obsessor,
que acabam de remover do ambiente a que, desde muito tempo, se ajusta –
informou Áulus, compadecido. – Desencarnou em plena vitalidade
orgânica, depois de extenuar-se em festiva loucura. Letal intoxicação
cadaverizou-lhe o corpo, quando não possuía o menor sinal de habilitação
para conchegar-se às verdades do espírito. ____E como quem já conhecia as particularidades da prestação de socorro
que, decerto, fora antecipadamente preparada, continuou explicando: ____- reparem.
É alguém a movimentar-se nas trevas de si mesmo, trazido ao recinto sem
saber o rumo tomado pelos próprios pés, como qualquer alienado_mental em estado grave. Desenfaixando-se da veste_de_carne, com o pensamento enovelado à paixão
por irmã nossa (encarnada), hoje torturada enferma que sintonizou com
ele, a ponto de retê-lo junto de si com aflições e lágrimas, passou a
vampirizar-lhe o corpo. A perda do veículo físico, na deficiência
espiritual em que se achava, deixou-o integralmente desarvorado, como náufrago
dentro da noite. Entretanto, adaptando-se ao organismo da mulher amada que
passou a obsidiar, nela encontrou novo instrumento de sensação, vendo
por seus olhos, ouvindo por seus ouvidos, muitas vezes falando por sua
boca e vitalizando-se com os alimentos comuns por ela utilizados. Nessa simbiose
vivem ambos, há quase cinco anos sucessivos, contudo, agora, a moça
subnutrida e perturbada acusa desequilíbrios orgânicos de vulto. Por
haver a doente solicitado nosso concurso assistencial, somos constrangidos
a duplo socorro. Para que se cure das fobias que presentemente a assaltam
como reflexos da mente dele, que se vê apavorado diante das realidades do
espírito, é necessário o afastamento dos fluidos que a envolvem, assim
como a coluna, abalada pelo abraço constringente da hera, reclama limpeza
em favor do reajuste. ____Nesse ínterim, os condutores, obedecendo às determinações de Clementino,
localizaram o sofredor ao lado de Dona Eugênia(a médium). ____O mentor da casa aproximou-se dele e aplicou-lhe forças magnéticas sobre
o córtex cerebral,
depois de arrojar vários feixes de raios luminosos sobre extensa região
da glote. ____Notamos que Eugênia-alma afastou-se do corpo, mantendo-se junto
dele, à distância de alguns centímetros, enquanto que, amparado pelos
amigos que o assistiam, o visitante (espírito sofredor) sentava-se rente,
inclinando-se sobre o equipamento mediúnico ao qual se justapunha, à
maneira de alguém a debruçar-se numa janela. ____Ante o quadro, recordei as operações do mundo vegetal, em que uma planta
se desenvolve à custa de outra, e compreendi que aquela associação
poderia ser comparada a sutil processo de enxertia neuropsíquica. ____Suspiros de alívio desprenderam-se do tórax mediúnico que , por
instantes, se mostrara algo agitado. ____Observei que leves fios brilhantes ligavam a fronte de Eugênia,
desligada do veículo físico, ao cérebro da entidade comunicante
(espírito sofredor). ____Porque eu lhe dirigisse um olhar de interrogação e estranheza, Áulus
explicou, prestimoso: ____- É
o fenômeno da psicofonia consciente
ou trabalho dos médiuns falantes.
Embora senhoreando as forças de Eugênia, o hóspede enfermo do
nosso plano permanece controlado por ele, a quem se imana pela corrente_nervosa, através da qual estará nossa irmã informada de
todas as palavras que ele mentalize e pretenda dizer. Efetivamente
apossa-se ele temporariamente do órgão vocal de nossa amiga,
apropriando-se de seu mundo sensório, conseguindo enxergar, ouvir e
raciocinar com algum equilíbrio, por intermédio das energias dela, mas Eugênia
comanda, firme, as rédeas da própria vontade, agindo qual se fosse
enfermeira concordando com os caprichos de um doente, no objetivo de
auxiliá-lo. Esse capricho, porém, deve ser limitado, porque, consciente
de todas as intenções do companheiro infortunado a quem empresta o seu carro_físico, nossa amiga reserva-se o direito de corrigi-lo em
qualquer inconveniência. Pela corrente nervosa, conhecer-lhe-á
as palavras na formação, apreciando-as previamente, de vez que os
impulsos mentais dele lhe percutem sobre o pensamento como verdadeiras
marteladas, pode, assim, frustrar-lhe qualquer abuso, fiscalizando-lhe os
propósitos e expressões, porque se trata de uma entidade que lhe é
inferior, pela perturbação e pelo sofrimento em que se encontra, e a
cujo nível não deve arremessar-se, se quiser ser-lhe útil. O Espírito
em turvação é um alienado mental, requisitando auxílio. Nas sessões
de caridade, qual a que presenciamos, o primeiro socorrista é o médium
que o recebe, mas, se esse socorrista cai no padrão vibratório do
necessitado que lhe roga serviço, há pouca esperança
no amparo
eficiente. O médium, pois, quando integrado nas responsabilidades que
esposa, tem o dever de colaborar na preservação da ordem e da
respeitabilidade na obra de assistência aos desencarnados,
permitindo-lhes essa manifestação não colida com a dignidade imprescindível
ao recinto. ____- Então
– alegou Hilário -, nesses trabalhos, o médium nunca se mantém
a longa distância do corpo... ____- Sim,
sempre que o esforço se refira a entidades em desajuste, o medianeiro não
deve ausentar-se demasiado... Com um demente em casa, o afastamento é
perigoso, mas se nosso lar está custodiado por amigos cônscios de si,
podemos excursionar até muito longe, porquanto o nosso domicílio
demorar-se-á guardado com segurança.
____No concurso aos irmãos desequilibrados, nossa presença é imperativo dos
mais lógicos. ____Fitou Eugênia preocupada e vigilante, ao pé do enfermo que começava
a falar, e sentenciou: ____- Se preciso, nossa amiga poderá retomar o próprio corpo num átimo.
Acham-se ambos num consórcio momentâneo, em que o comunicante é a ação,
mas no qual a médium personifica a vontade. Em todos os campos de
trabalho, é natural que o superior seja responsável pela direção do
inferior. ____O visitante (espírito sofredor) passou a destra pela face num
gesto de alívio e bradou, transformado: ____- Vejo! Vejo!... Mas por que encantamento me prendem aqui? Que algemas me
afivelam a este móvel pesado? ____E acentuando a expressão de assombro, prosseguia: ____Qual o objetivo desta assembléia em silêncio de funeral? Quem me trouxe?
Quem me trouxe?!... ____Vimos que Eugênia, fora do veículo denso, escutava todas as palavras que
lhe fluíam da boca, transitoriamente ocupada pelo peregrino das sombras,
arquivando-as, de maneira automática, no centro da memória. ____- O
sofredor – disse o Assistente, convicto -, ao contacto das forças
nervosas da médium, revive os próprios sentidos e deslumbra-se.
Queixa-se das cadeias que o prendem, cadeias essas que em cinqüenta por
cem decorrem da contenção cautelosa de Eugênia. Porta-se, dessa
forma, como um doente controlado, qual se faz imprescindível. ____- E
se nossa irmã relaxasse a autoridade? – inquiriu Hilário,
curioso. ____- Não
estaria em condições de prestar-lhe benefícios concretos, porque então
teria descido ao desvairamento do mendigo de luz que nos propomos auxiliar
– esclareceu o nosso instrutor, com calma. ____E numa imagem feliz para ilustrar o assunto, ajuntou: ____- Um médium passivo, em tais circunstâncias, pode ser comparado à mesa
de serviço cirúrgico, retendo o enfermo necessitado de concurso médico. ____Se o móvel especializado não possuísse firmeza e humildade, qualquer
intervenção seria de todo impossível. ____- Mas
nossa amiga está enxergando, conscientemente, a entidade que se lhe
associa ao vaso_carnal,
com tanta clareza quanto nós? – perguntei por minha vez, atento aos
meus objetivos de aprendizado. ____- No
caso de Eugênia, isso não acontece – elucidou Áulus,
condescendente -, porque o esforço dela na preservação das próprias
energias e o interesse na prestação de auxílio com todo o coeficiente
de suas possibilidade não lhe permitem a necessária concentração
mental para surpreender-lhe a forma exterior. Entretanto, reproduzem-se
nela as aflições e os achaques do socorrido. Sente-lhe a dor e a excitação,
registrando-lhe o sofrimento e o mal estar. ____Ao
passo que se dilatava a nossa conversação, o comunicante gritava,
contundente: ____-Estaremos,
porventura, num tribunal? Por que uma recepção estranha quanto esta,
quando sou o importunado que comparece? A mim, Libório dos Santos,
ninguém ofende sem revide ... ____Como se a consciência o torturasse, através de criações interiores que
não nos era dado perceber, vociferava, frenético: ____-Quem
me acusa de haver espoliado minha mãe, lançando-a ao desamparo? Não sou
culpado pelas provações
dos outros...Não estarei, acaso, mais doente que ela? ... ____Nessa altura, Hilário fixou o obsessor,
compadecidamente, e indagou, respeitoso: ____-Não
serão os seus padecimentos simples angústias moral? ____-Não
tanto assim – aclarou Áulus -; as crises morais de qualquer teor
se nos refletem até no veículo de manifestação. O beneficiário desta
hora tem o cérebro perispirítico
dilacerado e a flagelação que lhe invade o corpo
fluídico é tão autêntico quanto à de um homem comum,
supliciado por um tumor intracraniano. ____Demonstrando-se sumamente interessado no estudo, Hilário acentuou: ____-Se
fôssemos nós os companheiros encarnados, com sede de maiores
conhecimentos da vida_espiritual, poderíamos submete-lo a interrogatório minucioso?
Estaria em posição de identificar-se perfeitamente? ____Áulus abanou levemente a cabeça e considerou: ____- Nas
condições em que se encontra, o cometimento não seria viável. Estamos
abordando apenas um problema de caridade,
que se reveste, porém, da mais elevada importância para a vida em si. Na
hipótese de efetivarmos o tentame, conseguiríamos tão-somente
infrutuosa inquirição, endereçada a um alienado_mental, que, por algum tempo, ainda se mostrará lesado em
expressivos centros do raciocínio. Trazendo consigo a herança de uma
existência desequilibrada e fortemente atraída para a mulher que o ama e
de quem se fez desabrido perseguidor, a nada aspira, por agora, senão à
vida parasitária, junto à irmã, de cujas energias se alimenta.
Envolve-a em fluidos, enfermiços e nela se apóia, assim com a trepadeira
que se alastra e prolifera sobre um muro...Somando tudo isso ao choque
oriundo da morte, não temos o direito de esperar dele uma experiência
completa de identificação pessoal. ____Enquanto isso, Libório prosseguia, alucinado: ____-Quem
poderá suportar esta situação? Alguém me hipnotiza? Quem me fiscaliza
o pensamento? Valerá restituir-me a visão, manietando-me os braços? ____Fixando-0 com simpatia fraterna, o Assistente informou-nos: ____-Queixa-se
ele do controle a que é submetido pela vontade cuidadosa de Eugênia. ____Ruminando as indagações que nos esfervilhavam na alma, Hilário
objetou: ____-Consciente
a médium, qual se encontra, e ouvindo as frases do comunicante, que lhe
utiliza a boca assim vigiado por ela, é possível que Dona Eugênia
seja assaltada por grandes dúvidas... Não poderá ser induzida a admitir
que as palavras proferidas pertençam a ela mesma? Não sofrerá vacilações? ____- Isso
é possível – concordou o assistente -; no entanto, nossa irmã está
habilitada a perceber que as comoções e as palavras desta hora não lhe
dizem respeito. ____-Mas...
e se a dúvida a invadisse? – insistiu meu colega. ____-Então
– disse Áulus, cortês -, emitiria da própria mente positiva
recusa, expulsando o comunicante e anulando preciosa oportunidade de serviço.
A dúvida, nesse caso, seria congelante faixa de forças negativas... ____Todavia, porque Raul Silva iniciara a conversação com o hóspede
revoltado, o orientador amigo convidou-nos a melhor observar.
[28a - página 53] - André Luiz |