____Este fato foi relatado pela Light, numa série de números (ano de 1922, págs. 594-595, 610-611, 722-723, 768-769). Trata-se de uma coleção de “revelações transcendentais” teoricamente importantes, no sentido de que o médium, por quem elas foram obtidas, é uma senhora de limitada cultura intelectual e que ignorava inteiramente as doutrinas_espíritas. O interesse pelas pesquisas mediúnicas se manifestou nela repentinamente, em conseqüência da morte, na guerra, de um dos seus irmãos, a quem muito estimava (mais tarde, seu “Espírito-guia” a informou de que fora ele próprio quem a sugestionara nesse sentido). Uma de suas amigas possuía uma “ prancheta”, da qual, aliás, nunca se servira. Mrs. Hope Hunter – tal o nome da médium – foi visitá-la e procurou servir-se do pequeno aparelho, conseguindo com facilidade fazê-lo mover-se automaticamente. Viu logo formarem-se algumas frases truncadas, indicando a presença de entidades que tentavam comunicar-se. Uma dessas entidades lhe aconselhou que abandonasse a prancheta e experimentasse o lápis. Mrs. Hunter seguiu o conselho e não tardou a escrever correntemente. Ao cabo de algum tempo, teve a manifestação de seu irmão morto na guerra, o qual forneceu provas de identificação pessoal e narrou à irmã as circunstâncias em que se dera a sua entrada no mundo espiritual. Mas, como essa narrativa continha informações que pareceram absurdas ao médium, pediu este, a uma outra entidade, explicações a respeito. A que se lhe manifestara, na qualidade de “ Espírito-guia”, prestou-se a esclarecer os pontos que à Mrs. Hunter se afiguravam duvidosos. Aconselhou-lhe em seguida que se dirigisse a alguma pessoa competente em matéria de pesquisas mediúnicas.
____Numa primeira carta que dirigiu ao diretor da Light, escreveu a senhora Hope Hunter falando de si mesma:
- “Não tive ocasião de me instruir. Aos 14 anos, vi-me forçada a renunciar à escola, por causa da morte de meu pai. Não me julgo capaz de redigir uma composição qualquer... Nada sabia e nada sei do que respeita a experiências mediúnicas.
- Os Espíritos que se comunicam me exortam a submeter suas mensagens a alguém que tenha competência na matéria...”
____Foi em virtude desta exortação dos Espíritos que ela se dirigiu ao diretor da Light, Sr. David Gow, que compreendeu o valor teórico desse caso de mediunidade súbita, o estudou cuidadosamente e, afinal, publicou sobre ele um relatório completo na sua revista.
____Dada a impossibilidade de reproduzir, por muito longas, as mensagens em questão, limitar-me-ei a citar as passagens em que o irmão defunto descreve pormenores do meio espiritual, ou episódios de outro gênero, comentadas em seguida pelo “Espírito-guia” do médium, comentários que inserirei de modo mais extenso.
____Quando o Espírito do jovem militar se manifestou pela primeira vez, sucedeu o que quase invariavelmente acontece nessas circunstâncias, como o sabem todos os que experimenta, isto é, que o Espírito, reabsorvendo fluidos humanos e volvendo parcialmente às condições terrestres, quais as em que se achava no termo da sua existência, não pôde deixar de ressentir e, conseguintemente, de transmitir ao médium os sintomas que lhe caracterizaram a agonia. Dessa vez, a mão do médium foi presa de tremores e de impressionantes arrancos convulsivos, que lhe faziam saltar o braço em todas as direções. Quando, por fim, essas convulsões se acalmaram, ditou o Espírito o que segue:
- “Foi o que se deu comigo, quando caí mortalmente ferido pelos estilhaços de um obus. Disseram-me que a minha morte ocorreu em menos de um minuto; as convulsões da agonia foram, pois, muito curtas, embora eu tenha tido a impressão de durarem longas horas. Não te assustes; isto não te trará conseqüências más. Quanto a mim, estou perfeitamente bem; mas, voltando ao meio terrestre e pensando na minha morte, não posso evitar se reproduzam os sintomas que a acompanharam.
- Quando fui ferido, achava-me à borda de uma trincheira e, quando as convulsões cessaram, estava morto. Senti-me então, como antes, em perfeito estado de saúde. Via-me trajando o uniforme militar. Meu primeiro pensamento foi para “Ben” (seu filhinho) e, ao pensar nele, vi-me logo transportado à minha casa, onde o contemplei a dormir na sua caminha, ao lado de Carrie (a mãe). Distinguia-os tão bem como com os olhos do corpo; em seguida te vi a ti e a John (o marido). Pensei em minha mãe e logo me achei ao seu lado. Vi-a acordada na cama e lhe dirigi a palavra, porém ela nenhum sinal deu de me ter ouvido. Voltei então para a França, para a trincheira; mas, também é possível que me haja transportado a K... e a S... e que ao mesmo tempo não tenha deixado a trincheira.
- Sabia-me morto... e um caso estranho me acontecia: via_passar_diante_de_meus_olhos_todos_os_acontecimentos_da_minha_vida, em os quais me comportara mal... Logo depois, divisei um Espírito que me vinha ao encontro... Era meu pai; porém, não o reconheci. Entretanto, quando me chamou pelo meu nome – “Will” –, imediatamente o reconheci e me lancei a chorar nos seus braços. Sentia-me extraordinariamente comovido e não sabia o que lhe dissesse. Nada posso dizer com relação ao tempo que ali permanecemos. Lembro-me apenas de que, durante esse tempo, deixei de ver os meus camaradas, de ouvir o ruído da batalha. Via, no entanto, os pensamentos daqueles camaradas; verifiquei, assim, que muito os havia impressionado a minha morte. Quando meu amigo Franck se aproximou do meu cadáver, para se certificar de que eu estava realmente morto, ainda uma vez o distingui como com os olhos do corpo. Meu pobre amigo desejava estar em meu lugar e não ligava importância à vida, senão por amor de sua Dora...
- Não me seria possível dizer se estive nalguma outra parte, durante a minha permanência naquele lugar. Encontrava-me num estado de completa confusão de ideias; o que me rodeava parecia ao mesmo tempo muito nítido e muito incerto. Meu pai se conservava ao meu lado, a me animar e a me dizer que não tardaria a readquirir o equilíbrio mental. Conduziu-me depois à sua habitação, onde presentemente vivemos juntos, aguardando que a mamãe venha para a nossa companhia...
- Outro dia, disse-me ele: “Queres ver tua avó?” Eu ainda não a encontrara no mundo espiritual. Ela se achava, ao que parece, numa localidade muito afastada de nós. Papai acrescentou: “Formula intensamente o desejo de estar com ela e o de que eu lá esteja por minha vez.” Fizemo-lo simultaneamente e saltamos com a rapidez do relâmpago, através do espaço. Em menos de um segundo estávamos ao lado de minha avó. Ela vive com meu avô e com o meu tio Walter, a quem não conheci na Terra; logo, porém, percebi que o conhecia muito bem, porque, quando vivo, eu_o_ia_freqüentemente_ver_durante_o_sono; era meu pai quem me levava...”
____O que se acaba de ler é extraído da primeira mensagem do irmão do morto de Mrs. Hope Hunter. Numa segunda mensagem, acrescentou ele copiosos detalhes acerca do momento de sua morte. Limitar-me-ei a transcrever esta passagem que completa a precedente:
- “Muitos de meus camaradas se acharam mortos sem o saberem e, como não logravam perceber certas coisas, supunham que estavam a sonhar. Eu, ao contrário, me inteirei imediatamente da minha morte, porém não conseguia compreender o fato de ser absolutamente o mesmo que anteriormente. Antes de ir para a guerra, jamais cogitara das condições prováveis da existência espiritual; durante a vida nas trincheiras, pensava nisso algumas vezes, mas longe estava de imaginar a verdade. Como era natural, tinha na cabeça os “coros celestes”, as “harpas angélicas”, de que falam as Santas Escrituras. O que sobretudo havia de mais incompreensível para mim era me ver e sentir absolutamente o mesmo indivíduo de antes, quando, na realidade, me achava transformado numa sombra. Em compensação, não podia igualmente compreender uma outra circunstância, a de que, quando vinha ver a vocês, os via como se todos fossem sombras, ao passo que eu não o era. Quando estive em casa, mal acabara de morrer, vi vocês como os via quando vivo; mas, depois, pouco a pouco, todos se foram tornando cada vez mais evanescentes, até que não passaram de puras sombras. Em suma, não posso distinguir, nos seres vivos, senão a_parte_destinada_a_sobreviver_ao_corpo...
- Bem calculadas as coisas, muito de verdadeiro havia no que dizia o nosso pastor em seus sermões... Há_realmente_uma_vida_eterna. É , pelo menos, o que todos cremos; ...
- enquanto que aqueles que na Terra viveram honesta e virtuosamente vão para um lugar que se pode comparar a um paraíso,
- aqueles cuja existência transcorreu depravada e má vão acabar em outro lugar que se pode exatamente definir como um inferno...
- Acho-me aqui ativamente ocupado. O mesmo se dá com todos, mas suspendemos o trabalho quando nos sentimos fatigados. Atende, entretanto, a que, quando falo de cansaço, não me refiro ao que vós aí experimentais. É coisa muito diversa. Quando estamos fatigados, pensamos em nos distrair, segundo os nossos pendores. Nenhum de vós poderia imaginar em que consistem os nossos descansos.
- Se eu pudesse tornar a viver (mas absolutamente não o desejo) e se soubesse o que sei agora, viveria de maneira muito diferente. Doutra feita, falar-te-ei das minhas ocupações. Por hoje, boa-noite!”
____Aí estão as passagens essenciais das mensagens de que se trata e onde se fala da entrada do morto que se comunica no meio espiritual. Aditar-lhes-ei algumas outras, colhidas nos esclarecimentos dados a respeito pelo “Espírito-guia”do médium, a pedido deste. Ele começa ponderando:
- “Teu irmão, desde que o feriram os estilhaços do obus, conheceu que lhe chegara a hora da morte. O desconhecido que o esperava se lhe apresentou terrivelmente, nos espasmos de agonia... Quando se comunicou mediunicamente, viveu esses terríveis momentos. Daí os tremores convulsivos de tua mão e os arrancos do teu braço, que tanto te impressionaram...
- A crise_da_morte é, fundamentalmente, a mesma para todos; contudo, no caso de um soldado que morre de maneira quase fulminante, as coisas diferem um pouco, porém não muito. Quando chegou o instante fatal, o “ corpo_etéreo”, que peneira o “ corpo_carnal”, começa gradualmente a se libertar deste último, à medida que a vitalidade o vai abandonando... Quem ainda não viu uma borboleta emergir da sua crisálida? Pois bem! o processo é análogo... Desde que o “corpo etéreo” se haja libertado do “corpo carnal”, outros Espíritos intervêm para auxiliar o recém-desencarnado. Trata-se de um nascimento, em tudo análogo ao de uma criança no meio terrestre, o que faz que o Espírito_recém-nascido tenha necessidade de auxílio. Ele se sente aturdido, desorientado, aterrado e não poderia ser de outro modo... Quase sempre julga que está sonhando. Ora, o nosso primeiro trabalho consiste em convencê-lo de que não está morto. É o de que geralmente se encarregam os parentes do recém-chegado, o que, as mais das vezes, não serve senão para confirmar, no morto, a ideia de que está sonhando... (Ver: Histogênese espirtual)
- Teu irmão diz que se transportou imediatamente a Samerset; que falou com sua mãe; que viu o filho e te viu com teu marido. Vou tentar explicar-te como isso ocorre. Logo após o instante da morte, o Espírito ainda se acha impregnado de fluidos humanos. Pelo que sei (e não é grande coisa) este fato significa que ele ainda está em relação direta com o meio terrestre; mas, ao mesmo tempo, está despojado do corpo carnal e revestido unicamente do “corpo etéreo”. Basta, pois, que dirija o pensamento a determinado lugar, para que seja instantaneamente transferido para onde o leva o seu desejo. O primeiro pensamento de teu irmão foi dirigido, com grande afeto, à sua mulher e seu filhinho; achou-se, portanto, instantaneamente com eles; estando ainda impregnado de fluidos_humanos, pôde vê-los como com os olhos do corpo.
- Além disso, refere teu irmão: “Vi passarem diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal.” Trata-se de um fenômeno muito notável da existência espiritual. Geralmente, isso preludia a sanção a que todos nós temos que submeter, pelo que toca às nossas faltas. A visão se desenrola diante de nós num rápido instante, mas nos oprime pelo seu volume e nos abala e impressiona pela sua intensidade. Quase sempre, vemo-nos tais quais fomos, do berço ao túmulo. Não me é possível dizer-te como isso se produz; porém, a razão do fato reside numa circunstância natural da existência terrena, durante a qual toda ação que executamos, todo pensamento que formulamos, quer para o bem, quer para o mal, fica registrado indelevelmente no éter_vitalizado que nos impregna o organismo. Trata-se, em suma, de um processo fotográfico; com isto imprimimos e fixamos vibrações no éter e este processo começa desde o nosso nascimento...
- Teu irmão continua referindo como encontrou o pai. Tudo isso se produziu num instante do vosso tempo; mas, para ele, que calculava o tempo pela intensidade e pelo concurso dos acontecimentos, os segundos pareceram horas. A princípio, não reconheceu o pai, o que freqüentemente acontece. Com efeito, os desencarnados não esperam encontrar-se com seus parentes; ao demais, o aspecto destes tem geralmente mudado. Entre nós também existe um desenvolvimento do “corpo etéreo”... Um bebê cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho alcança a seu turno a idade viril, rejuvenescendo. Vosso pai morreu na plenitude da idade adulta; apesar disso, o filho não o reconheceu, porque muitos anos haviam passado e o pai atingira, no mundo_espiritual, um estado de radiosa beleza. Reconheceu-o, todavia, assim aquele lhe dirigiu a palavra. Ninguém pode enganar-se no mundo espiritual.
- A outra afirmativa de teu irmão é de si mesma clara. Observa ele: “Eu podia ver o que pensavam os meus camaradas.” O fato se dá porque na vida espiritual a transmissão do pensamento é a forma normal de conversação entre os Espíritos; depois, porque muitos pensamentos se exteriorizam da fronte daquele que os formula, revestindo formas concretas, correspondentes à ideia pensada, formas que todos os Espíritos percebem...
- Informou-te, afinal, de que vivia com o pai, na habitação deste último. É absolutamente exato. Já noutra mensagem te expliquei que no mundo espiritual o pensamento e a vontade são forças por meio das quais se pode criar o que se deseje...” (Ver: Processus pós morte)
____Há aí uma verdade que se impõe à razão e que força a reconhecer-se que, assim sendo, as personalidades_mediúnicas que se comunicam não podem ser personificações subconscientes, caso em que, é claro, deveriam contradizer-se mutuamente. Têm elas, portanto, que ser consideradas como Espíritos de mortos, que tiram de uma experiência comum as informações que dão, o que lhes explica a concordância. Está entendido que, quando se fala de concordâncias, não há esquecer que devem ser consideradas relativamente às condições espirituais em que se acham as personalidades que se comunicam, isto é, que uma entidade desencarnada, moralmente normal, se achará de acordo com as outras entidades que participam da sua natureza, quanto à descrição que fazem do meio radioso onde se encontram; contrariamente, uma entidade moralmente depravada estará de acordo com todas as outras entidades que participam da sua natureza, quanto à descrição do meio tenebroso onde se encontram. ____Lembrarei, finalmente, que são assaz numerosos os casos análogos ao que acabo de citar e em que o médium não conhecia as doutrinas_espíritas. Já citei alguns e ainda citarei outros. Entretanto, cumpre-me recordar que o assunto muito circunscrito com que aqui me ocupo não me permite fizer ressaltar, em toda a sua cumulativa eloqüência, o valor decisivo no sentido espírita dos casos desta espécie. Não o esqueçamos. Falta-me agora acrescentar duas palavras de comentário a uma afirmação do “Espírito-guia”. Aludo aos processos psicofisiológicos pelos quais as vibrações correspondentes às nossas ações e pensamentos se gravariam e fixariam no “ corpo_etéreo” – o que constituiria o substratum da “memória integral”, existente_na_subconsciência_humana. Observarei, a este respeito, que as afirmações do “Espírito-guia” concordam com as indicações dos psicólogos e dos fisiologistas. Estes, com efeito, para darem ideia da maneira pela qual se cria e funciona a memória_fisiológica_normal, assim como a memória “integral subconsciente”, cuja existência reconhecem, falam igualmente de “vibrações” do pensamento, que se gravam de modo indelével na substância cerebral. Apenas neste último detalhe se nota uma discordância entre as indicações dos psicólogos e os ensinos do “Espírito-guia”, segundo quem as “vibrações” do pensamento se gravariam e fixariam inapagavelmente no éter vitalizado que constitui o “corpo etéreo”.
____Acrescentarei que esta última explicação do fenômeno deve certamente ser verdadeira, para o caso da “memória integral” sobreviver à morte do corpo. Aliás, se nos lembrarmos de que a substância cerebral existe em condições de processus permanente e rápido de transformação, de eliminação, de renovação, não vemos bem como se possa admitir que ela guarde inapagavelmente as vibrações do pensamento, constitutivas da “memória normal” e da “memória integral” subconsciente. Nestas condições, forçoso é convir em que a afirmação do “Espírito-guia” tem por si todas as probabilidades de ser verdadeira. Essas probabilidades são ulteriormente corroboradas, desde que se considere que a indicação dos psicólogos é impotente para explicar o fato de existir, na subconsciência humana, uma memória integral maravilhosa, que se conserva ociosa e sem utilidade durante a existência terrena.
____Uma vez que, aceitando-se a explicação da entidade que se comunica, essa dificuldade não se apresentaria, daí se deveria inferir que a memória integral subconsciente permanece ociosa e sem utilidade durante a existência terrena, porque representa a “memória normal” da existência espiritual, à espera de emergir e manifestar-se em um meio apropriado, depois_da_crise_da_morte; do mesmo modo que as faculdades supranormais subconscientes se conservam inoperantes, no curso da existência terrena, porque representam os sentidos, de antemão formados, da existência espiritual, à espera de emergirem e exercitarem-se no meio espiritual, ao mesmo tempo que a “memória integral”, após a crise da morte. [106 - páginas 59 / 69] - Ernesto Bozzano - (Gênova, 9 de janeiro de 1862 - 24 de junho de 1943) |